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Os construtores de átomos

Tudo no Universo é composto por apenas 92 elementos químicos. Mas o homem já sabe criar seus próprios elementos artificiais.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 8 jan 2023, 16h25 - Publicado em 30 set 1994, 22h00

Thereza Venturoli

Um lingote de ouro é muito diferente de uma gota de mercúrio. O primeiro é amarelo, sólido e conduz bem a eletricidade. O segundo é prateado, líquido e um péssimo condutor. A diferença é radical. Porém, o que provoca toda essa mudança é uma simples partícula atômica, tão incrivelmente pequena que nem o mais poderoso microscópio do planeta poderia torná-la visível ao olhos.

O próton pode realizar o sonho aparentemente absurdo dos alquimistas: transmutar os elementos. Com ele, é possível transformar o ferro em ouro. Sem truques nem efeitos especiais. E muito mais: apenas pela soma de prótons, uma a um, a natureza consegue criar tudo o que existe no Universo.

Mas existe um limite a essa soma de partículas: um átomo não pode ter mais do que 92 prótons. Acima disso, ele não se agüenta inteiro e começa a se desfazer. Assim, do levíssimo hidrogênio ao pesado urânio não existe mais do que dois elementos naturais — qualquer átomo maior do que o urânio tem um tempo de vida tão breve que já desapareceu da face da Terra e do próprio Universo.

Dez desses elementos naturais já eram conhecidos desde a Antigüidade: carbono, enxôfre, antimônio, ferro, ouro, prata, mercúrio, chumbo e estanho. Hoje, o homen conhece todos os 92. Mais: já descobriu o segredo da natureza para a construção de átomos e passou a fabricar em laboratório suas próprias substâncias artificiais — os chamados elementos transurânicos, ou seja, mais pesados que o urânio.

Até hoje, já foram criados dezessete desses novos elementos, com até 109 prótons. Muitos deles, de vida curtíssima, só podem ser “percebidos” por alguns milésimos de segundo, por meio de sofisticados aparelhos. São átomos batizados com noes bastante estranhos, em homenagem a grandes químicos e físicos, como einstênio (Albert Einstein), mendelévio (Dmitri Mendeleev), rutherfórdio (Ernest Rutherford) e seabórguio (Glenn Seaborg).

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Talvez menos conhecido, mas não menos importante do que os cientistas anteriores, o químico nuclear americano Glenn Seaborg é um dos principais construtores de átomos do mundo: além de fabricar um dos primeiros elementos transurânicos, o plutônio, em 1940, ele participou da sintetização de outros nove elementos artificiais. “A construção de elementos superpesados é uma forma de estudar a estrutura dos átomos e seus núcleos”, comenta Glenn Seaborg, a SUPER.

O seabórguio foi criado em 1974, por outro americano, Albert Ghiorso. E já tem uma nova versão. Em meados deste ano, físicos de dois institutos de pesquisa, um em Dubna, Rússia, e outro na Califórnia, Estados Unidos, construiram dois novos tipos de átomos desse elemento. Com os mesmos 106 prótons, mas com mais nêutrons do que o modelo original. Os nêutrons são partículas atômicas sem carga elétrica, que funcionam como um campo de força, impedindo que os prótons, de carga positiva, se empurrem uns aos outros e estraçalhem o núcleo. O novo seabórguio russo, com dois nêutrons a mais, soncegue sobreviver mais de dois segundos. E o americano, até dez segundos — um recorde, comparado com os 9 décimos de segundo do primeiro modelo.

Até onde o homem é capaz de avançar nesse terreno instável, ninguém sabe ainda dizer. Mas as teorias indicam que deve existir mais à frente uma ilha de estabilidade — uma região da tabela periódica em que os elementos, mesmo com os núcleos muito pesados, mantêm-se estáveis por até mais de um ano.

É atrás dos “habitantes” dessas ilhas que as pesquisas da química nuclear prosseguem. A melhor expectativa é de que eles estejam em torno de um elemento com 114 prótons. E o recém-construído átomo de seabórguio superalimentado de nêutrons, é um bom sinal nesse sentido. “Chegarmos aos elementos superpesados representa um grande passo, tanto para a ciência básica quanto para o desenvolvimento tecnológico”, comenta o astrofísico nuclear Iuda Goldman, professor da Universidade de São Paulo.

Nem sempre o conhecimento já nasce organizado. Foi justamente por irritar-se com a falta de sistematização dos dados conhecidos em química, no século XIX, que um professor russo do Instituto Técnico da Universidade de São Petesburgo, começou a pregar dezenas de cartõezinhos num quadro, na parede do laboratório. Em cada um deles estava escrito o nome e as propriedades de todos os elementos químicos conhecidos na época, cerca de cinqüenta. O nome do professor: Dmitri Ivanovich Medeleev (1834-1907). Ele procurava alguma pista para a ordem em que a natureza os criou.

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O conceito de elementos químicos — as substâncias mais simples e puras, que constitutem todos os materiais — tinha sido definido dois séculos antes, pelo químico inglês Robert Boyle (1627-1691). Mas até o tempo de Mendeleev, ninguém havia ainda conseguido colocar todas as substâncias em ordem.

O químico russo percebeu que, dispondo os cartõezinhos na ordem crescente da massa atômica — ou seja, a soma do número de prótons e de nêutrons — os elementos apareciam em fileiras horizontais e colunas que refletiam propriedades semelhantes. Estava criada a tabela periódica. Na mesma época, outro químico, o alemão Julius Lothar Meyer (1830-1895) chegou a apresentar um trabalho parecido, mas bem menos preciso e completo do que o de Mendeleev.

Nem todas as casas da primeira versão da tabela periódica estavam ocupadas. Mas o químico previu o tipo de elemento que deveria se encaixar em cada lugar. Mais tarde, esses elementos — como o gálio, o escândio e o germânio — foram descobertos e a tabela foi completada, exatamente segundo as previsões de Mendeleev.

Alguns anos depois, outro químico, o inglês Henry Moseley (1887-1915) percebeu que as propriedades dos elementos estavam mais ligadas ao número atômico (número de prótons) do que à massa atômica. Ou seja, é simplesmente a quantidade de prótons que define as carascterísticas de cada elemento. Com a descoberta de Moseley, a posição de alguns elementos na tabela original de Mendeleev foi rearranjada. Mas a essência do trabalho do gênio russo permanece válida e cada vez mais forte.

Em meados do século XVII, vivia na cidade de Hamburgo, na Alemanha, um alemão de nome Hennig Brand, que insistia em encontrar a pedra filosofal — o segredo da transmutação de metais básicos, como ferro, em ouro. Brand, considerado o último dos alquimistas, entrou para a história como o primeiro cientista a descobrir um elemento químico. Ele conseguiu isolar da urina uma substância branca, com consistência de cera, a que ele chamou de “condutor da luz”, porque brilhava no escuro. Era o fósforo. Foi só depois dessa época que as descobertas químicas passaram a ser registradas.

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De lá para cá, a física nuclear desvendou grandes segredos do núcleo e da camada de elétrons que circunda os átomos e a química continuou descobrindo novos elementos. Mas, a partir da década de 40 os cientistas trocaram o papel de descobridores pelo de construtores de átomos. O velho sonho da alquimia começava a se ronar realidade: o homem apredeu que, além dos 93 prótons, a transmutação dos elementos não depende mais de simples misturas, reações químicas, mas de verdadeiras revoluções no núcleo atômico: é preciso quebrar o coração do átomo para mudá-lo.

As primeiras tentativas de construção de elementos artificias foram feitas pelo italiano Enrico Fermi (1901-1954), em 1934. Ao bombardear átomos de urânio com nêutrons, ele identificou uma série de “produtos radioativos”. Quatro anos mais tarde, dois pesquisadores alemães — Otto Hahn e Fritz Strassmann — descobriam que os tais “produtos raioativos” resultantes dos experimentos de Fermi nada mais eram do que novos elementos formados pela quebra do núcleo de urânio. Assim, o homem começou a entender as reações envolvidas na fissão nuclear e entrou na era atômica.

Mas foi só em 1940 que Edwin McMillan e Phillip Abelson, da Universidade da Califórnia, em Bekerley, conseguiram isolar o primeiro elemento transurânico, com 93 prótons: o neptúnio. Alguns meses mais tarde, outra equipe de Berkeley, liderada pelo químico nuclear Glenn Seaborg, conseguiu isolar outro elemento mais pesado do qie o permitido: o plutônio.

Até hoje, foram criados nada menos que dezessete novos átomos. A maioria surgiu de dentro de potentes aceleradores, como os cíclotrons. Outros, como o einstênio e o férmio, foram identificados em explosões de bombas atômicas, em testes realizados no Oceano Pacífico.

As últimas boas novas do fronte da química nuclear vem de dois pontos bem distantes do globo: da Rússia e dos Estados Unidos. São dois novos tipos de átomos de seabórguio. Ambos têm 106 prótons, mas foram “engordados” com uma dose extra de nêutrons. O primeiro deles saiu dos laboratórios do Instituto de Pesquisa Nuclear de Dubna. O seabórguio sintetizado pela equipe liderada pelo físico Yuri Lazarev recebeu dois nêutrons a mais do que o átomo original e conseguiu, assim, manter-se inteiro por mais de dois segundos.

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Notícia melhor ainda veio da equipe americada, liderada pelo físico Ron Lougheed, do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia. O seabórguio ocidental leva três nêutrons a mais do que o átomo fabricado pela primeira vez em 1974. Com esse pequeno truque, os cientistas conseguiram aumentar o tempo de vida do átomo dos antigos 9 décimos de segundo para mais de dez segundos — uma recorde que, para muitos, pode ser o sinal de que a tão procurada ilha de estabilidade — um grupo de átomos que conseguem se manter inteiros por mais de um ano — esteja próxima.

“Chegar a ilha de estabilidade significa encontrar elementos capazer de liberar mais nêutrons nas reações de fissão nuclear do que o urânio e o plutônio”, comenta o astrofísico nuclear do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, Iuda Goldman. “Quer dizer, vai ser muito mais fácil gerar energia nas usinas nucleares”.

O astrofísico polonês naturalizado brasileiro acompanha de perto os resultados das pesquisas, principalmente das equipes de Berkeley e, em suas constantes viagens à Califórnia, já teve várias oportunidades de discutir o assuntos em interessantes almoços dom Glenn Seaborg. Para Goldman, cada boa notícia vinda dos aceleradores de partículas significa um passo a mais para se entender a formação do Universo. “Nós já sabemos como a natureza produz os elementos básicos, até o ferro, nas explosões estelares”, explica o professor. “Daí para a frente, o processo de produção da matéria, até o urânio, é conhecido apenas em teoria”.

Resta saber também o que existe depois da ilha de estabilidade. “Até onde a natureza vai permitir que o homem construa átomos cada vez mais complexos é uma das principais questões da ciência”, conclui o professor da USP.

Para saber mais:

A estranha família do átomo (SUPER número 3, ano 2)

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Átomos à vista

(SUPER número 2, ano 3)

Eletricidade sob suspeita

(SUPER número 8, ano 4)

Nanotecnologia no coração da matéria

(SUPER número 5, ano 6)

O pulo do gato

(SUPER número 8, ano 10)

A química no dia-a-dia

Alguns objetos contêm inesperados elementos químicos

Estrôncio

Descoberto em 1790, entra na fabricação de fogos de artifício

Ródio

Descoberto em 1803, ideal para a fabricação de refletores de faróis e lanternas

Telúrio

Descoberto em 1782, pode entrar na vulcanização de pneus

Boro

Descoberto em 1808, é usado no ácido bórico, para higiene dos olhos

Gleen Seaborg

Nascido em 1912, na pequena cidade de Ishpeming, estado de Michigan, o americano, filho de um imigrante sueco, ganhou, em 1951, o Prêmio Nobel de Química por suas pesquisas sobre elementos transurânicos. Formado pela Universidade da Califórnia, Seaborg participou, entre 1942 e 1945, do chamado Projeto Manhattan — um projeto de pesquisa implantado pelo governo dos Estados Unidos, que reuniu cientistas americanos e europeus para desenvolver as primeiras bombas atômicas. Seaborg trabalhava, então, no Laboratório de Metalurgia da Universidade de Chicago, na extração de plutônio do urânio. Hoje, Seaborg é diretor do Laboratório Lawrence Berkeley, na Universidade da Califórnia.

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