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Palmeiras Verdinho Não Resiste ao Timão

Corações alviverdes, acalmem-se. Isto é apenas um truque para memorizar a fórmula da Física pv=nrt. É isso aí, a velha decoreba. Só que hoje ela é tida como um recurso legítimo dos estudantes para treinar a memória.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 31 out 1996, 22h00

Rosangela Petta

Na hora de lembrar, todos têm QI de ostra

Não é à toa que, na hora de estudar para o vestibular, o verbo mais usado é “rachar”. É mesmo preciso “abrir” a cabeça para a informação entrar. Depois de aberta, ela tem que guardar o que aprendeu. Por isso, os candidatos a uma vaga na faculdade colecionam frases engraçadas e músicas que ajudam a decorar fórmulas, nomes e regras. O maior pânico, nessa época, é esquecer.

Boa memória é mesmo fundamental. Sem ela, ninguém vai pra frente. E isso ao pé da letra. A gente só anda, corre, chora, ri, entende uma piada e um problema de matemática porque vai gravando experiências desde o nascimento. Mas como isso funciona? Ainda não se sabe ao certo. Embora existam pistas sobre onde guardamos algum dado no cérebro, não se sabe bem como a coisa acontece lá dentro.

Quem está trazendo novidades no assunto são moscas de frutas e ratos de laboratório. Analisando a fisiologia e o comportamento de seus animais experimentais, os neurocientistas da Universidade de Colúmbia, em Nova York, identificaram dois tipos de uma proteína chamada creb que mora dentro dos neurônios, as células nervosas. Para Eric Kandel, que em 1993 identificou essa proteína analisando moluscos, é a proporção entre os dois tipos de creb (um estimulante e outro inibidor da memória) que determina a capacidade de lembrar.

Cabeça em curto

O trabalho é polêmico. Ainda é preciso provar que a proteína age da mesma forma no homem, o que levaria à comparação estrambólica da mente humana com o QI de ostra. “O creb é uma proteína que ajuda a formar outras proteínas no núcleo da célula e, quando ela falta, nada é memorizado”, confirma Ivan Izquierdo, neuroquímico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “Os estudos ainda estão em andamento, mas já se observou que há dois picos de creb na formação da memória: um imediato, quando o cérebro capta a informação, e outro mais lento, quando o cérebro liga uma informação com outra.”

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Além de enigmática, a memória é delicada. Izquierdo lembra que períodos de muita ansiedade, estresse e depressão são a principal causa da amnésia. “Algo entre 6% e 8% da população mundial padece de depressão clínica e tem problemas de memória”, conta ele. Não é o caso de quem sente que as lembranças se embaralham. Segundo o cientista, isso é normal porque uma mesma célula nervosa gera muitas memórias diferentes. A eventual confusão entre elas é uma espécie de curto-cicuito causado pela sobrecarga de impulsos elétricos nas conexões entre os neurônios. “Aí, é melhor estudar um pouco menos”, aconselha.

Liberadas as brincadeiras na sala de aula

Mnemosina é a deusa grega da memória, prima das nove musas: Astronomia, Comédia, Tragédia, História, Música/Dança e as quadrigêmeas da poesia (Épica, Lírica, Amorosa e Sacra). Por aí já se vê que, não é de hoje, a cultura está ligada à capacidade de recordar. Mas até os gregos clássicos sabiam que não é fácil. Tanto que eles criaram uma palavra só para designar a “arte da memorização”, mnemonikós, ou mnemônica.

Por uma questão de sobrevivência, não se pode lembrar de tudo. “Ficaríamos loucos”, diz o neuroquímico Ivan Izquierdo, citando o triste fim da personagem do conto de Jorge Luís Borges, Funes, o Memorioso, cuja sina era recordar todos os detalhes de sua existência. Então, se a memória é seletiva, o que garante que a Física vai se instalar no cérebro ao lado do futebol? Pelas regras mnemônicas, juntar as duas coisas, como na brincadeira do “palmeiras verdinho…” lá do título desta reportagem, pode dar certo. O truque é apenas associar idéias e imagens, um hábito comum em todo o mundo. Comum e polêmico.

Decoreba não é pecado

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Educadores têm calafrios quando ouvem versos, piadas ou qualquer gaiatice que ajude a lembrar as lições dadas em classe. Para eles, soa à velha decoreba, o vício de decorar sem entender coisa nenhuma. Só que essa visão está mudando. “Os jovens vestibulandos estão sendo muito sábios quando associam brincadeira e estudo”, diz Edvaldo Pereira Lima, da Universidade de São Paulo. “Situações frias e impessoais é que dificultam a memorização.”

Essa nova abordagem do aprendizado começou a ser levada a sério quando o neurologista Roger Sperry, da Universidade da Califórnia, comprovou a diferença entre as funções dos dois hemisférios cerebrais – uma teoria que lhe valeu o Prêmio Nobel de Medicina de 1981. Embora as duas metades do encéfalo sejam o espelho uma da outra, algumas características prevalecem no lado esquerdo (mais intelecutal, verbal) e outras no direito (mais visual, chegado a uma fantasia). “A chamada memória fotográfica tem a ver com situações emocionais em associações que ocorrem no hemisfério direito”, exemplifica Izquierdo.

Sete bits de cada vez

Tom Buzzan, autor da técnica dos “mapas mentais”, chegou a calcular os bits de informação que o lado esquerdo processa de cada vez. São sete, e como um bit é a menor unidade de informação, numa frase isso corresponde a sete sílabas. Para o professor da USP, “isso significa que o lado esquerdo é mais lento que o direito, porque vai fragmentando a informação e analisando-a”. Ou seja: enquanto o lado direito capta o impacto de uma obra de arte, o esquerdo verifica o traço, a cor, a proporção. Uma coisa de cada vez.

E o que isso tem a ver com uma aula de Química? Edvaldo explica: “O sistema educacional tradicional sempre se apoiou nas funções do lado esquerdo, que só se liga no lado linear, lógico e material das coisas. O lado direito, mais criativo, ficou atrofiado. De meados da década de 80 para cá, pesquisas de universidades americanas, como as da Califórnia e do Texas, mostram que o rendimento de qualquer atividade é maior quando há mais equilíbrio entre os dois hemisférios”.

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Não é preciso reinventar a roda todo dia

“Isso é enganação”, opina Alfredo Stavale, coordenador do Anglo Vestibulares, de São Paulo. “Dar bitolinhas não é educar.” Acontece que nem sempre essas piruetas mentais dependem do professor. Muitas vezes (você sabe), os próprios alunos é que inventam truques brincalhões. Como são eficientes, essas técnicas de memorização acabam sendo absorvidas pelos cursos pré-vestibulares. “Sempre digo ao aluno para usar o recurso como uma ferramenta auxiliar da aprendizagem”, diz José Antônio Matos Barrionuevo, coordenador do cursinho paulista Universitário. “Primeiro ele tem que compreender, depois memorizar. Se ficar só decorando coisas, pode até passar no vestibular, mas vai quebrar a cara na primeira aula da faculdade.”

Para o consultor pedagógico da Rede Cultura de Televisão, Pedro Paulo Demartini, a mnemônica escolar não pega mal. Ele é um dos responsáveis pela produção do programa Vestibulando, que tem músicas e brincadeiras de memorização no final da aula, e garante que isso não desvirtua a linha didática: “Você já sabe que oito vezes oito dá 64, não tem que passar de novo pelos mecanismos da multiplicação para fazer essa conta. Não precisamos reinventar a roda todo dia.”

É claro que, apenas decorando fórmulas, ninguém aprenderá a pensar. Mas, bem empregadas, as técnicas de memorização ajudam a reter conhecimento e, principalmente, fazem do estudo uma atividade mais divertida.

PARA SABER MAIS

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A evolução da consciência, Robert Ornstein, Best Seller/Círculo do Livro, São Paulo, 1992.

Use your brain, Tom Buzzan, BBC Books, Londres, 1993.

Por dentro do disco rígido

Veja como a informação entra no seu cérebro e onde ela fica instalada até que você precise acessá-la.

Arquivo novo

O córtex frontal, na altura da testa, é a porta de entrada da memória. Dali, as informações são distribuídas para os diversos arquivos nas profundezas da mente. Este cortéx também grava dos dados que serão lembrados por apenas uns dias (memória de curta duração) e os que ficam lá só por alguns segundos, como o número de telefone que você vê na lista antes de discar (memória de curtíssima duração).

Clique “salvar”

A região que envolve o hipocampo é uma espécie de miolo do cérebro. É uma ferramenta importante porque ajuda a fixar informações, guarda noções de espaço e, como o córtex frontal, grava dados de curta duração, como um bate-papo que você teve na semana passada.

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Senha de proteção

Existem cenas, nomes, rostos, textos, cálculos e uma infinidade de outras coisas que a gente não esquece nunca. Como aquela lição de álgebra que você nunca precisou usar na vida prática, mas continua na cabeça. É a chamada memória de longa duração, guardada no córtex parietal, a faixa de camada cinza que recobre a parte médio-traseira do cérebro.

Formatando

É na amígdala e no tálamo, dois pequenos conjuntos de tecidos nervosos, que fica a memória emocional. São arquivos personalizados, pois a informação chegou aqui associada a uma sensação, agradável ou terrível. Lábios femininos podem estar vinculados a lembranças prazerosas para uns e torturantes para outros.

Utilitários

No estriado (no meio dos dois hemisférios cerebrais) e no cerebelo (que fica na parte de trás) existe um tipo especial de memória, ligada às ações automáticas. Uma vez aprendida, a experiência se repete sem que a gente perceba. É a memória que usamos para caminhar, nadar, andar de bicicleta ou dirigir um automóvel.

O enigma do processador

Os neurologistas não fecham questão sobre como funciona a memória. Uns acreditam que ela é a repetição da sinapse, a corrente elétrica de impulsos entre neurônios pelas ramificações conhecidas como axônios. Assim, para se lembrar de alguma coisa, você teria que fazer um circuito se repetir na sua cabeça. Outros pesquisadores acham que a grande responsável pela memória é a química de proteínas que ocorre no núcleo dos neurônios. E, claro, há um terceiro grupo que aposta nas duas alternativas combinadas.

O mapa que você não esquece

A partir dos mapas mentais idealizados pelo matemático e psicólogo inglês Tom Buzzan, o professor Edvaldo Pereira Lima, da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, criou um método de estudo chamado Árvore da Criação. A idéia é estimular funções do lado direito do cérebro, sensível a imagens e fantasias. Você pode experimentar a técnica usando o exemplo abaixo. Depois de estabelecer um objetivo (aqui, o governo Getúlio Vargas) e um tempo (2 horas, digamos, com intervalo de 20 minutos), sente-se diante de uma mesa e relaxe. Escreva a palavra-chave em letras maiúsculas no centro de um pedaço de papel e faça um círculo em volta 1. Puxe ramificações para palavras ligadas ao tema, mas escreva-as só com a inicial em letra maiúscula 2. Depois, novas palavras, ligadas às ramificações, devem escritas em minúsculas (segundo Edvaldo, o cérebro tem noção de hierarquia). Folheie o livro de História do Brasil despreocupadamente, anote o que sabe e o que não sabe e faça novas “árvores” se quiser. Aí, feche os olhos e fantasie ao máximo: pode se imaginar voando sobre as páginas do livro e mergulhando nesses temas, vendo sempre um relógio marcando o tempo máximo estabelecido. Depois, é só ler o livro de acordo com a sua “árvore”. Se quiser colorir e desenhar, melhor. O lado direito adora brincar.

Academia de malhação mental

A memória precisa de exercícios para ativar conexões cerebrais. Veja as dicas de neurologistas e pedagogos.

Conversa

Um bom bate-papo é um grande estimulante do raciocínio.

Observação

Notar os detalhes melhora a lembrança de rostos, nomes e ocasiões.

Interesse

Tente se interessar por coisas diferentes, do futebol à música erudita.

Associação

Para não se esquecer de alguém, associe uma imagem ao rosto e ao jeito dele ou dela.

Escrita

Anote, escreva, copie. Isso ajuda a guardar datas, palavras, fórmulas etc.

Repetição

Repetir mentalmente números de telefone e endereços sempre é bom.

Leitura

Leia ao máximo. Textos sugerem imagens e aumentam o vocabulário.

Atenção

Concentre-se no assunto, seja da aula, do filme ou do almoço com a família.

Lições de criatividade

Alguns exemplos de truques mnemônicos que circulam pelos cursos pré-vestibulares, citados por quem aprendeu e não esqueceu.

HISTÓRIA

“Deodoro, Floriano, Prudente, Campos Sales, Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo, Hermes, Venceslau (…)” Cantar na melodia da cantiga de roda Teresinha de Jesus, para lembrar dos presidentes da Primeira República.

PORTUGUÊS

“Lona roxa” Senha para lembrar que palavras paroxítonas terminadas em l, n, r e x são acentuadas: incansável, Éden, mártir, tórax.

FÍSICA

“Francisco, me vê um quibe” Associação de fonemas para lembrar da fórmula f=mv/qB, ou seja, f (força) é igual a m (massa) vezes v (velocidade) sobre q (carga) vezes B (campo magnético).

BIOLOGIA

“Secreta adrenalina Com acetilcolina. E assim mais um impulso passou!” Cantar no ritmo do refrão Viva, vira vira, da marcha carnavalesca Turma do Funil, para lembrar da química cerebral.

QUÍMICA

“Foi Clóvis Bornay quem incendiou Atenas” Associação de iniciais para lembrar do grupo 7A da tabela periódica: F (flúor), Cl (cloro), Br (bário), I (iodo) e At (astatínio).

Dicas para estudar melhor

1 – Ler deitado não dá. De costas, pode levar ao sono. De bruços, força a coluna vertebral, o abdome, os músculos dos braços e do pescoço. Corpo e cabeça funcionam melhor se você estuda sentado.

2 – De acordo com o ambiente, o cérebro se prepara para determinada atividade. Por isso, é melhor estudar sempre no mesmo local, arejado e com boa iluminação.

3 – Um mínimo de arrumação do material sobre a mesa evita que você interrompa a concentração para procurar alguma coisa. Deixe lápis, borracha, caneta, caderno, papéis e livros bem à mão.

4 – Nada de deixar tudo para a última hora e varar a noite lendo. O cérebro se cansa, é preciso fazer um intervalo depois de 50 minutos de concentração. Tanto médicos como professores recomendam que, nessa pausa, o estudante faça alguma coisa com as mãos, como preparar o próprio suco, para dar uma folga à atividade mental.

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