Para barrar genéricos, gigante farmacêutica dá patente de remédio a índios
Manobra jurídica envolve medicamento que fatura US$ 1,5 bilhão por ano - e será investigada pelo Congresso dos EUA
O colírio Restasis é um dos medicamentos mais bem-sucedidos do laboratório americano Allergan, com US$ 1,5 bilhão de faturamento por ano – 10% de toda a receita do laboratório, conhecido por produzir a toxina botulínica Botox. Mas o colírio, que induz a produção de lágrima e é indicado para casos graves de olhos secos, está no mercado dos EUA desde 1983. Por isso, outros laboratórios querem lançar versões genéricas, e mais baratas, do medicamento (cujo princípio ativo é a ciclosporina). Para fazer isso, é preciso abrir um processo na US Patent Office, que avalia o caso. Mas o Allergan se antecipou a isso com uma manobra surpreendente: doou a patente do remédio para uma tribo indígena.
Os contemplados foram os 3.000 índios Akwesasne, da reserva Mohawk Saint Regis, no Estado de Nova York. Além de ganhar as seis patentes do remédio de graça, eles receberão US$ 15 milhões anuais em royalties pagos pelo Allergan, que continuará a produzir o remédio bilionário. Nos EUA, as reservas indígenas são consideradas nações soberanas, o que dá a elas alguns direitos específicos, como o de construir e explorar os próprios cassinos.
Acredita-se que, por causa do status soberano, patentes pertencentes aos índios sejam imunes, e não possam ser questionadas pelo US Patent Office. Resultado: outros laboratórios não poderiam lançar versões genéricas do Restasis.
A manobra do Allergan causou polêmica nos EUA, onde o Congresso já pediu esclarecimentos. Em entrevista à revista Fortune, o CEO do laboratório se defendeu dizendo que a doação é uma defesa contra as “patent trolls”, corporações criadas com o único propósito de atacar patentes de outras empresas. A empresa afirmou que, antes de ser transferida para os índios, a propriedade intelectual do Restasis já estava sendo questionada na Justiça do Texas, que poderá liberar os genéricos do remédio. (Procurada pela SUPER, a Allergan não quis fazer nenhum comentário adicional).
Os índios americanos também estão no meio de uma disputa envolvendo a Apple, que é sendo acusada de usar patentes tecnológicas pertencentes a outra empresa no iPad. A tal outra empresa é a MEC Resources – que pertence às tribos Mandan, Hidatsa e Arikara. Os índios dizem que o iPad 4, lançado em 2012, infringe uma patente de laminação de tela pertencente a eles. O caso está tramitando na Justiça da Califórnia.