Queima de combustíveis fósseis torna a datação arqueológica mais imprecisa
A composição de carbono na atmosfera é usada como referência para a datação de materiais orgânicos. Veja como as emissões de gás carbônico impactam a arqueologia.
As pinturas rupestres da Caverna dos Nadadores, no Egito, foram pintadas há 10 mil anos. Os “Amantes de Valdaro” – um par de esqueletos encontrados abraçados em uma cova – foram enterrados há 6 mil anos. Sabemos disso graças à datação com carbono-14, uma das principais maneiras de descobrir a idade de peças arqueológicas.
Só que esse método de datação passará a ser menos confiável para as próximas gerações – graças às mudanças climáticas e aumento de gás carbônico na atmosfera. Mas antes de explicar como e por que isso irá acontecer, vale entender como se faz a datação com carbono-14.
O átomo de carbono é definido por ter seis prótons em seu núcleo. Além desses, o núcleo também contém nêutrons – pode ser seis, sete ou oito nêutrons. Esses são chamados isótopos do carbono: carbono-12, carbono-13 e carbono-14, respectivamente. Todos existem em uma quantidade mais ou menos constante na atmosfera
O carbono 12 e 13 são mais estáveis, e são a maioria. Já o núcleo do carbono-14 é mais pesado, tornando-o instável. Ele é produzido quando raios cósmicos atingem átomos de nitrogênio na parte superior da atmosfera. Com o tempo, o núcleo do carbono-14 decai e vira nitrogênio-14. Demora 5,7 mil anos para que metade de uma amostra de carbono-14 desapareça. Esse é chamado “tempo de meia-vida”.
Todos os seres vivos incorporam carbono durante a vida. As plantas absorvem carbono da atmosfera, e nós comemos as plantas. Ou seja: os seres vivos possuem uma proporção de isótopos de carbono igual à da atmosfera na época em que eles viveram.
Analisando a proporção de carbono-14 em amostras antigas, conseguimos dizer há quanto tempo aquele organismo absorveu o carbono da atmosfera – há quanto tempo ele viveu. Se ele tiver metade da quantidade de carbono-14 esperada, é por que a outra metade já decaiu, então se passaram 5,7 mil anos. Se tiver um quarto da amostra, passaram-se 11,4 mil anos. E assim por diante.
O método com carbono-14 pode ser usado para datar materiais orgânicos: madeira, ossos e tecido, por exemplo. Mas só até os últimos 55 mil anos – a partir daí, a quantidade de carbono-14 já é muito pequena nas amostras para chegar a resultados precisos.
Conclusão: a datação com carbono-14 baseia-se numa proporção previsível de isótopos de carbono na atmosfera. Se a composição da atmosfera muda drasticamente, perdemos a referência.
O problema
Um grande exemplo disso são os testes com armas nucleares realizados na década de 1950 e início da década de 1960. Eles liberaram uma quantidade enorme de carbono-14 na atmosfera, fazendo sua proporção (em relação aos outros isótopos) duplicar. Desde então, os seres vivos estiveram absorvendo essa nova proporção de carbono-14. Ao mesmo tempo, as indústrias e automóveis não param de liberar gás carbônico na atmosfera – um arranjo que não contém carbono-14.
Em 2021, pesquisadores da Imperial College de Londres e Universidade da Califórnia verificaram que a quantidade de carbono emitida pelos combustíveis fósseis já “anulou” o carbono-14 liberado pelas armas nucleares, voltando aos níveis de antes da Revolução Industrial. Neste momento, a proporção de isótopos de carbono na atmosfera é igual aos níveis pré-industriais.
Ótimo, não é? Significa que voltamos a ter o padrão anterior de referência. O problema é que as emissões fósseis não param por aqui. Elas devem continuar pelos próximos anos, diluindo a concentração de carbono-14 na atmosfera – logo, tornando as datações futuras mais imprecisas.
“Em breve, pode ser difícil dizer se algo é moderno ou tem mil anos de idade”, disse Paula Raimer, especialista em datação com radiocarbono, em entrevista à Nature. Heather Graven, física que analisa esse efeito há anos, prevê que em 2050 a proporção de carbono-14 será similar ao que era na idade média.
Isso impacta não só a datação de esqueletos, por exemplo, mas também de itens usados por humanos. Essa datação é feita usando os restos de células e digitais deixadas nos objetos. O carbono-14 também é usado para diferenciar artefatos históricos de réplicas produzidas posteriormente.
A era das datações com carbono-14 pode estar chegando ao fim. Os pesquisadores esperam poder atingir resultados semelhantes usando as proporções de outros isótopos.