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Questão de tempo

Enquanto o relógio de Newton era absoluto e o tempo de Einstein mudava aos sabores do vento, hoje nem mesmo a passagem do tempo é garantida pela ciência

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 30 abr 1988, 22h00

Paul Davies

Toda a nossa experiência de vida baseia-se na suposição de que podemos dividir o tempo em passado, presente e futuro. E que ele passa sem parar, como um rio que converte o futuro em passado ao correr pelo presente, que não passa de um instante infinitesalmente curto. O problema é que Albert Einstein afirmou: “Para nós, físicos presunçosos, passado, presente e futuro são apenas ilusões”. Que será que ele queria dizer com isso?

Ao pensarmos sobre o tempo, vemos três zonas. Segundo a crença geral, o passado é composto de eventos que já aconteceram e que não existem mais. O que resta deles são as imagens que guardamos em nossa memória. E nada pode modificar essas imagens. Da mesma forma, o futuro é feito de acontecimentos que não existem, ninguém tem condições de saber sobre ele. A fronteira entre o passado e o futuro é o presente, uma divisão móvel. À medida que o tempo avança, o futuro se converte em presente e, em seguida, quase imediatamente, em passado. Os acontecimentos atuais se distinguem dos futuros em um ponto: são reais. Por isso, o agora é o momento no qual podemos ter uma troca recíproca com o mundo.

Tudo isso é tão simples, quase banal. Mesmo assim, pode causar confusão. Por exemplo, quanto tempo dura o presente? Ele não marca uma linha rígida entre o passado e o futuro. Essa divisão é tênue, movida pela nossa consciência. Muitos eventos acontecem tão depressa que confundem nosso cérebro. Por exemplo, um filme no cinema é composto de uma sequência de imagens paradas. Mas porque são projetadas sucessivamente com grande velocidade, temos a impressão de movimento contínuo. Processos mais distantes da nossa realidade, como os fenômenos da física quântica, são tão rápidos, desafiando a nossa noção de tempo de tal forma, que escapam completamente da nossa capacidade de entendimento.

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O tempo da ciência

Quem quiser separar o tempo em passado, presente e futuro encontrará dificuldades nas regras da física moderna, em que nada se parece com o conceito de agora. Tudo começa com Isaac Newton, que no século 17 escreveu sobre o tempo “absoluto, verdadeiro e matemático, que transcorre uniformemente”. Ele tentou descartar a subjetividade ao fazer medições de forma precisa, usando relógios. Das fórmulas de Newton, nasce uma visão do tempo: se olharmos para o estado de um sistema físico fechado em um momento qualquer, também ficará fixada para sempre a totalidade dos estados futuros.

Em outras palavras: o estado de um sistema em um momento qualquer determina, de uma vez por todas, toda a sua história. Essa imagem newtoniana do mundo reduz o tempo a uma questão contábil. No Universo de Newton não pode ocorrer nada verdadeiramente novo, pois as informações necessárias para construir o futuro já existem no presente. O livro cósmico está totalmente escrito desde há muito e aquilo que denominamos tempo nada mais é que um meio de numerar suas páginas. Em suma: o futuro já está escrito, como num filme.

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Naturalmente, a física não parou em Newton. Com a Teoria Especial da Relatividade, de Albert Einstein, o conhecimento dos físicos nessa área deu um salto gigantesco. Einstein relacionou o tempo muito estreitamente ao espaço e converteu ambos em fenômenos físicos, eliminando algumas das nossas opiniões intuitivas sobre o fenômeno. Por exemplo, antes de Einstein, uma pessoa poderia dizer que gostaria de saber o que estaria acontecendo agora em outra galáxia. E ninguém responderia que essa afirmação não faz sentido. O agora era um conceito vigente em toda parte. Parecia que o Universo todo tinha o mesmo presente.

A Teoria da Relatividade destruiu a base dessas convicções. Einstein ensinou que dois acontecimentos podem ocorrer simultaneamente para um observador, enquanto outro observador que se mova em relação ao primeiro perceberá os mesmos fatos um depois do outro, enquanto um terceiro poderá até ver os dois acontecimentos numa ordem inversa. Na vida diária, essas coisas não acontecem, porque as distâncias e as velocidades são muito pequenas para que se possa notar a relatividade. Mas ela existe e suas consequências são de grande alcance.

Depois de Einstein, não sobrou nenhum momento atual que seja válido no Universo inteiro. Nenhum agora que seja igual de um extremo do espaço ao outro. O conceito de presente virou uma questão pessoal, que só possui significado como ponto de referência para um observador, dependendo de seu movimento. Seguindo as leis da relatividade, acontecimentos em lugares muito distantes entre si podem estar no futuro para determinada pessoa e no passado para outra. No “agora” de outra galáxia, que se move velozmente em relação à nossa, a Terra pode estar no ano de 2100. No de outra, em 3.000 a.C. Por isso, não faz sentido dividir passado, presente e futuro. A Teoria da Relatividade parece nos levar a uma imagem do Universo na qual o tempo, da mesma forma que o espaço, se encontra diante de nós em toda a sua dimensão. Por isso, Einstein dizia que passado, presente e futuro são apenas ilusões.

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Flecha da história

Apesar disso tudo, não há como duvidar de que os acontecimentos se posicionam numa ordem sucessiva e que essa ordem tem uma direção. Se não fosse assim, a ideia de causalidade, que determina que um fato acontece depois e como consequência de outro, não poderia existir. Por exemplo, quando se dispara um tiro contra um vaso de cerâmica e este se quebra em mil pedaços, não há dúvidas: o vaso ficou em pedaços depois de ter sido atingido pelo disparo. Visto a partir da causa, o efeito se encontra no futuro. Isso se comprovaria ao projetar-se de trás para a frente uma gravação desse episódio: teríamos a impressão de que o vaso voltou à sua forma original, algo que vai contra nossa ideia de causa e efeito.

O tempo, portanto, tem uma direção e esse fato impregna o Universo inteiro. Apesar disso parecer óbvio, há mais de um século cientistas discutem qual o motivo desse alinhamento. Físicos descrevem frequentemente a direção do tempo com a figura de uma seta que aponta para o futuro a partir do passado. Mas essa comparação pode produzir muita confusão. É legítimo falar de uma orientação do Universo no tempo, que assinala desde o passado até o futuro. O difícil é denominar com ela a direção do fluxo do tempo.

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Essa diferença fica clara ao se pensar na agulha de uma bússola. Para a gente, ela assinala o Norte e o Sul. Mas isso acontece apenas porque esses conceitos foram convencionados por nós. O significado real daquela seta é: o campo magnético da Terra está orientado e existe uma assimetria entre os dois lados, ela também indica que a direção Sul-Norte não é a mesma que a Norte-Sul. Quando dizemos que uma seta mostra a direção do passado para o futuro, só estamos querendo indicar que existe uma assimetria no Universo. Ou seja, que a direção rumo ao passado é distinta da direção rumo ao futuro.

Presente imperfeito

Será que o presente existe de verdade como algo objetivo ou é apenas uma invenção da nossa cabeça? Há muito tempo os filósofos brigam por causa dessa questão. De um lado, estão os que defendem um presente real; são os teóricos A, cujo expoente foi o alemão Hans Reichenbach, da primeira metade do século 20. Seus oponentes são os teóricos B, entre os quais Alfred Ayer e Adolf Grünbaum. O grupo A utiliza os conceitos de passado, presente e futuro mais a rica variedade de tempos das línguas modernas ¿ como o pretérito imperfeito, perfeito e mais-que-perfeito. O grupo B utiliza um sistema de datas, em que fatos são marcados segundo o momento em que ocorreram, depois apenas ordenados.

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Diante dessas ideias, alguém poderia alegar: digam o que disserem os físicos, hoje minha xícara de café quebrou ao cair da mesa. Isso ocorreu às 16h e representa uma mudança para pior em relação à situação anterior a essa hora. Ora, dirá o teórico do grupo B, a mudança é apenas uma ilusão. Tudo o que você disse é que a xícara estava inteira às 15h59, que às 16h01 estava quebrada e que às 16h houve um momento de transição. Essa forma neutra de descrição, que utiliza o sistema de datas, contém a mesma informação, mas não afirma que o tempo tenha passado.

O teórico A, por sua vez, responderia que só se pode compreender o movimento do relógio usando algo como o tempo como ponto de referência. Se a ideia de tempo não existisse, o andar dos ponteiros precisaria estar ligado a outra coisa, como o movimento da Terra. Mas também esse movimento precisaria se relacionar com alguma outra coisa. E assim por diante, numa série de relações que pareceria infinita.

O que haveria no final dessa cadeia? O último relógio seria o próprio Universo. Ao dilatar-se cada vez mais, o Universo fixa um tempo cósmico. E, segundo físicos que estudam esse movimento de expansão com a ajuda da física quântica, o tempo cósmico estaria totalmente fora das fórmulas. Resultado: qualquer variação só pode ser medida por meio de correlações, ou relações de mudança.

De toda forma, continuamos a sentir que o tempo passa. Einstein, como vimos, denominou esse sentimento de ilusão. Há exemplos claros de ilusões de movimento. Quando giramos depressa ao redor de nós mesmos e paramos de repente, temos a impressão de que tudo à nossa volta continua girando. Na realidade tudo está parado. Será que a sensação de que o tempo passa é uma ilusão semelhante a essa?
Para a física quântica, a natureza, no nível atômico, é indeterminada. Ou seja, não é possível predizer qualquer acontecimento partindo dos fatores do presente. Se um observador realizar medições num átomo, com esse próprio ato, ele modificará o que desejava medir. Ou seja, o possível se converte em real por meio da mera observação. Isso pode ter algo a ver com o chamado fluxo do tempo. Aqui, é claro, estamos no território das especulações. E a verdadeira natureza do tempo continua sendo um enigma. Se algum dia vamos decifrá-lo, só o tempo dirá.

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