Retrato de um monstro inofensivo
Por seu tamanho avantajado, a arraia-jamanta assombra os mares tropicais. Mas tudo o que ela faz é voar com graça debaixo d¿água.
André Santoro
A primeira vez que o biólogo e fotógrafo submarino Leopoldo Francini, de Santos (SP), encontrou uma arraia-jamanta, no fundo do mar, no litoral paulista, entrou em pânico. “O bichão estava longe de mim, mas aquela bocarra aberta me assustou”, lembra-se. Mal Francini começara a nadar de volta ao barco, na superfície, o imenso animal o ultrapassou batendo as nadadeiras por cima de sua cabeça. Imagine o susto. “Ela seguiu, imponente, sem dar a mínima bola para mim.” O monstro media 3 metros da ponta de uma nadadeira à outra. Mas isso não é nada. A arraia-jamanta, ou Manta birostris, pode atingir 7 metros de envergadura. Não é difícil topar com uma em praias brasileiras, como as de Fernando de Noronha (PE) e as do litoral paulista.
Só depois do susto – pois na hora H a adrenalina entorpece a memória – Francini se lembrou de que não havia motivo para pânico. O gigante dos mares é um bicho dócil, incapaz de fazer mal a quem quer que seja. A temível bocarra escancarada tem apenas dentinhos minúsculos na mandíbula inferior. Só serve para absorver água e, com ela, os plânctons, camarões e peixinhos que a alimentam.
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Algo mais
Nem todas as arraias são inofensivas como as jamantas. As elétricas, com apenas 50 centímetros da ponta de uma nadadeira à outra, dão choques de até 200 volts. O objetivo é afastar predadores ou capturar presas. A eletricidade sai de dois músculos, um de cada lado do corpo do animal.
Prima mansa de uma família muito feroz
A jamanta é a maior, mas existem outras 500 espécies de arraia no mundo todo, sendo que 46 nadam na costa brasileira. Todas moram em mares tropicais e temperados.
Enquanto as menores não se arriscam muito perto da superfície – em geral nadam a 200 metros de profundidade –, a jamanta adora subir à tona. Os filhotes fazem até saltos de malabarista no ar. E pagam caro por se aproximar tanto dos domínios do homem.
A gigante não sofre muito nas mãos dos pescadores, pois sua carne não é saborosa e sua pele não serve para nada. Mas é comum ficar presa nas redes e acabar morrendo. Para reduzir essa pesca não intencional, o bicho já foi incluído na lista de animais ameaçados de extinção do Estado de São Paulo.
É difícil imaginar, mas esse peixe bonachão é – acredite – primo do tubarão. “Ambos descendem de um ancestral comum que existiu há 400 milhões de anos”, diz o biólogo Rafael Caldera, pesquisador do Projeto Cação, que estuda tubarões no litoral paulista. Ambas as espécies têm esqueleto cartilaginoso, desprovido de ossos (veja abaixo). “A grande diferença é que a evolução deslocou as guelras das arraias da região ao lado da cabeça para o ventre”, explica Fábio Hazin, biólogo da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Se um dia você mergulhar e encontrar uma pela frente, não se apavore. Fique imóvel e aproveite para olhar bem. Sobretudo, não a assuste. Ao fugir, o bicho poderá lhe dar um esbarrãozinho de algumas toneladas. Aí, você sentirá na carne por que ela se chama jamanta.
Nem tão duro de roer
O esqueleto feito de cartilagens, sem ossos, garante flexibilidade.
Diferente da cauda de algumas de suas irmãs menores, a da jamanta não possui ferrão. O rabo serve só para dar equilíbrio na água.
Duas nadadeiras pélvicas, menores, proporcionam estabilidade à natação.
A transparência e o colorido desta foto foram obtidos pelo processo da diafanização. O pesquisador passa substâncias químicas na pele de um animal já morto e retira, assim, os pigmentos da sua pele, deixando-a transparente. Depois, injeta corantes no corpo para marcar as suas cartilagens
As grandes nadadeiras funcionam como asas sustentadas por um leque de cartilagens.
Os dois arcos constituem a cintura peitoral. É aí que se prendem os músculos que impulsionam o animal.