Sem fogo e sem fumaça na Amazônia
Graças ao engajamento das comunidades locais, que levaram adiante o Programa Fogo, o número de queimadas diminuiu significativamente em 20 municípios da Amazônia
Maria Fernanda Vomero, de Xapuri, AC
No princípio, era a fumaça – tida na região como o inimigo número 1 da saúde pública. Ano após ano, durante o “verão amazônico”, no período de estiagem de julho a setembro, ela trazia problemas respiratórios sérios principalmente para crianças e idosos. Hospitais e postos de saúde se viam sem medicamentos e equipamentos suficientes para atender tanta gente. Casos de infecção pulmonar, de crises alérgicas e de conjuntivite pipocavam tanto na população rural quanto na urbana.
Depois, veio o fogo. E, com ele, pastagens e lavouras consumidas em instantes e áreas de Floresta Amazônia incendiadas de modo irreversível. Os benefícios de praticar a queimada não compensavam os danos à saúde e os prejuízos ambientais e econômicos. Em locais onde a mecanização ainda é um sonho impossível, o fogo que servia para limpar o solo e deixá-lo minimamente fertilizado para o plantio ou para o pasto era o mesmo que avançava cegamente pelas terras – próprias ou dos vizinhos –, inviabilizando a produção. Além de trazer a fumaça, é claro.
E qual seria a solução? O cenário acima era, até dois anos atrás, habitual no interior do Acre, do Mato Grosso e do Pará. Em vez de recorrer às decisões costumeiras – e caras –, como investir em helicópteros e equipamentos especiais para apagar incêndios, a ONG Amigos da Terra – Amazônia Brasileira decidiu apostar em medidas mais simples, baratas e efetivas. Criou o Programa Fogo: Emergência Crônica, hoje presente em 20 municípios dos três Estados. “Resolvemos adotar atitudes preventivas e conquistar o compromisso e o engajamento das comunidades locais”, diz Roberto Smeraldi, diretor da ONG e do programa. O caso do Acre comprova o sucesso dessa opção.
“Graças ao projeto, tivemos uma queda considerável no número de internações por problemas respiratórios causados pela fumaça”, diz a enfermeira Fabiana Silva de Souza, secretária municipal de saúde de Xapuri, a cidade do líder seringueiro Chico Mendes. “O Roberto Smeraldi é um herói”, afirma Paulo Nogueira Neto, ex-secretário Federal do Meio Ambiente e membro da comissão julgadora do Prêmio Super Ecologia 2002. “Vou sempre a Xapuri, onde tenho alguns projetos, e vi de perto o quão profundamente ele e o programa mudaram a mentalidade da população”, diz.
Um dos méritos do Programa Fogo é que ele não tenta impor de fora uma ruptura nos costumes locais. Ele não funcionaria se simplesmente proibisse as queimadas. “O fogo é um parceiro nosso, a gente precisa dele”, diz o agricultor Juscelino Moreira, do município de Acrelândia. Levando isso em conta, foram elaborados os Protocolos Municipais sobre Fogo, acordos voluntários entre os diversos setores da sociedade, nos quais consta uma série de compromissos sobre o uso e o controle das queimadas. Frutos de discussões e negociações públicas, os protocolos não têm valor legal, mas seu cumprimento é fiscalizado pela comunidade.
“Pecuaristas, latifundiários, pequenos produtores e seringueiros sentaram juntos para encontrar uma forma de diminuir o fogo na região. E todos nós assinamos o protocolo”, diz Dionísio Barbosa de Aquino, o Daú, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri. Os compromissos são simples. Por exemplo, combinar com os vizinhos um cronograma de queimadas, fazer aceiros – valas sem vegetação que impedem a progressão do fogo – e queimar somente em determinados períodos: depois da segunda chuva, em horários em que o sol não esteja forte, em dias sem vento.
“Nós fizemos as nossas próprias regras”, afirma Nésio Mendes de Carvalho, secretário municipal de Comunicação em Acrelândia. Ex-agricultor, Nésio perdeu sua plantação inteira de café e banana por conta da queimada irresponsável do vizinho. “Eu achava que eram necessárias medidas repressivas para combater as queimadas”, diz Otávio Guimarães Vereda, chefe regional da Secretaria Executiva de Assistência Técnica e Extensão Rural do município de Capixaba. “Por isso, pensei que o Programa Fogo não fosse funcionar. Estava enganado.” Em Capixaba, em 2001, não houve caso de fogo descontrolado.
“O mérito do programa é ser participativo. Não impõe nada a ninguém nem usa a legislação ambiental como forma de coerção”, afirma o agrônomo Clóvis Franco Brasileiro, coordenador do Programa Fogo no Acre. “Os produtores rurais descobrem os ganhos do uso controlado da queimada e conhecem alternativas.” Graças a uma parceria com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), são oferecidos cursos aos produtores rurais e pecuaristas de várias cidades, ensinando técnicas de manejo de pastagem, de inseminação artificial do gado e de implantação de um sistema agroflorestal a fim de incrementar a produtividade, compensando a substituição do uso do fogo.
Quando o baiano Clóvis chegou ao Acre, acostumou-se a ver o céu cheio de fumaça por causa das queimadas. Hoje, quando vai de um município a outro para implantar ou avaliar os protocolos, o que vê são amplas pastagens, com castanheiras aqui e ali, trechos de floresta ao fundo e um céu pintado de vermelho – pelo sol. Fogo e fumaça são um cenário cada vez mais raro.
Os finalistas
A Associação Verdever também estava disputando a final da categoria Ar, com o projeto Curadores da Terra, que propõe uma forma radicalmente diferente de utilizar materiais – sua maior bandeira é reciclar embalagens PET para adotá-las na construção civil. O outro finalista foi o gaúcho Juarez Cardoso Nunes, um estudante de eletrotécnica, com seu estudo sobre a adoção da energias alternativas, em especial energia eólica.