Luiz Barco
Várias vezes já me manifestei contra o tédio que parece ser a Tonica de muito currículos escolares roubando o estímulo e a fé de nossas crianças. Por isso, foi com grande satisfaça que recebi mais uma curiosa carta de um leitor de SUPERINTERRESSANTE, chamado Roger. Ele relata um método de multiplicação que, segundo sua professora, foi desenvolvido no século XII. Imediatamente pensei em escrever este artigo, não só para divulgar a curiosidade mas, principalmente, para parabenizar a professora de Roger. Eu já conhecia o método, que foi, provavelmente, desenvolvido pelos indianos e, da índia, parece ter sido levado à China e à Arábia.
O processo é muito semelhante ao que usamos hoje e comprova um dos fascínios dos matemáticos indianos pelo trabalho com os números. Nos séculos XIV e XV alcançou a Itália e ali recebeu o nome de gelosia. Não se trata de ciúme, mas de outro significado que a palavra tem em português: tabuinhas de janela ou veneziana. É que a disposição dos algarismos nesse processo e muito semelhante ao gradeado das janelas em Veneza, saí o nome. O princípio fundamental da multiplicação em gelosia é o mesmo que conhecemos e o arranjo em “celas” dos quadrinhos é um conveniente modo de evitar o cálculo mental no “transporte” das dezenas de multiplicações parciais.
Um exemplo simples é a multiplicação de 23 por 4.
Multiplicação usual (quatro vezes três, doze: coloca-se o 2 e vai um: quatro vezes dois, 8, mais um, 9). Resultado = 92.
Gelosia
Outro exemplo pode ser 213 x 54.
Multiplicação usual
Gelosia
Por hábito escolhemos a diagonal pela direta, mas também pode-se fazer a diagonal pela esquerda:
Observe que o 54 foi escrito de baixo para cima e mudamos também a disposição da dezena e da unidade das multiplicações parciais. Em geral, não se colocam as flechas que usei para indicar as somas resultantes das diagonais.
Agora, tente multiplicar 1074 x 382 = 410 268
Veja que a diagonal que resultou zero, se somada sem o um que veio da diagonal anterior resultaria 9 numa multiplicação parcial.
Não estou advogando a adoção desse processo em nossas escolas, mas estou procurando mostrar o valor da professora que, por certo, interessa-se ela historia da ciência e busca ensiná-la aos alunos, numa demonstração clara de que a escola tem jeito. Ao exibir traços da historia escrita por outros povos construir suas soluções, a professora de Roger faz coro com Martin Gardner quando escreve: “Num certo sentido, a Matemática recreativa é Matemática pura, não contaminada pela idéia de utilidade. Noutro é Matemática aplicada, pois satisfaz a necessidade universal dos homens quanto a divertimento”. Assim, Roger, bom divertimento e um carinhoso abraço em sua professora que você não disse como se chama.
Luiz Barco é professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.