Sérgio Gwercman, diretor de redação
Uma das piores experiências que eu tive na vida foi usar óculos. Começou quando eu tinha 12 anos e eu até achei legal porque era aquela fase em que todas as experiências médicas parecem divertidas, incluindo aparelho nos dentes e meu sonho nunca realizado de engessar o braço. Mas em pouco tempo minha miopia bateu nos 5 graus, o que é bastante – o suficiente para impedir que, sem óculos, eu encontrasse a porta para sair de casa.
O problema é que com óculos eu também ficava impedido de fazer um monte de outras coisas. Jogar futebol era complicado – tem o suor que embaça as lentes, tem a dificuldade pra cabecear. Fazer sucesso com as garotas, uma raridade. Ir à praia, a maior das frustrações. Como o ridículo de ir ao mar com óculos de grau estava fora de cogitação, no caminho da areia para a água eu não via nada: nem a natureza nem as moças de biquíni.
Por tudo isso, eu decidi operar a miopia há quase 10 anos. Um corte de laser em cada olho e 48 horas depois eu estava vendo tudo perfeitamente. Voltar a enxergar bem foi uma das experiências mais intensas que eu passei na vida. As coisas melhoraram instantaneamente.
Mas o ponto é que essa mesma cirurgia que aperfeiçoou absurdamente o funcionamento da minha visão não provocou grandes impactos na pessoa que eu sou. A evolução do corpo humano não significou a evolução do ser humano. E foi essa diferença que eu entendi ao entrar na sala da minha chefa, Alda Palma, cerca de 4 meses atrás, para falar de uma capa da SUPER que se chamaria “Como fazer um bebê perfeito”. Alda fez apenas um comentário, ao seu estilo pontual e certeiro: “Todos os bebês são perfeitos, Sérgio”. Ela estava certíssima. Olhos imunes à miopia, músculos resistentes à fadiga, essas coisas fazem corpos melhores. Mas não pessoas melhores. Parece um contrassenso lógico, um caso em que a soma das partes é incapaz de alterar o todo.
As pesquisas para dirigir a formação dos bebês são empolgantes. Renderam uma belíssima reportagem para a SUPER neste mês e vão produzir, tomara, moleques que jogam bola, nadam no mar e arranjam namorada sem problemas. Elas podem transformar radicalmente o corpo humano nos próximos anos. Mas isso não tem nada a ver com produzir seres humanos perfeitos.
Um grande abraço.