Um túnel no caminho da Astronomia
Para levar o telescópio Gemini até o alto do Cerro Pachón, nos Andes, foi preciso mudar um projeto rodoviário do governo chileno.
João Steiner
Fazer ciência é, ao mesmo tempo, importante e interessante. Às vezes requer também uma boa reserva de adrenalina. Os astrônomos precisaram dela especialmente durante a construção dos telescópios do Projeto Gemini, do qual o Brasil faz parte, junto com outros países. Os instrumentos, com espelhos de 8 metros de diâmetro cada um, vão ajudar a responder a perguntas fundamentais, como as relacionadas ao nascimento das galáxias, das estrelas e dos planetas.
Um dos telescópios, por escolha do Conselho Diretor do Projeto Gemini, seria construído nos Andes chilenos, no alto do Cerro Pachón. Fica no vale do Rio Elqui, cerca de 400 quilômetros ao norte de Santiago, um lugar muito interessante. O rio desce a cordilheira e desemboca no início do Deserto de Atacama. No seu vale se cultivam uvas especiais, muito doces. Com elas se faz o pisco, aguardente usada no pisco sauer, o aperitivo nacional dos chilenos, uma espécie de caipirinha deles. Foi nesse vale, muito quente e ensolarado em quase todos os dias do ano, que nasceu Gabriela Mistral, estrela de primeira grandeza no universo da poesia, Prêmio Nobel de Literatura de 1945.
Para o vale convergem muitos astrônomos, não atraídos pela Literatura ou pelo pisco, mas pelas condições excepcionais de observação do céu, criadas pela altitude dos Andes (o Cerro Pachón chega a mais de 2 700 metros acima do mar), pela secura do Atacama e pelo frio das águas do Oceano Pacífico.
As coisas foram muito bem com o Gemini, até aparecer, em 1994, a notícia de que o governo chileno resolvera construir uma barragem no Elqui, para acumular água e irrigar mais terras produtoras de frutas e pisco. Para dar lugar à barragem, a estrada que dá acesso ao Cerro Pachón teria que ser desviada da beira do rio para um terreno mais alto. Ela teria que passar por um túnel. A notícia ruim era o túnel ter sido planejado com 6 metros de diâmetro. Com essa medida, não passariam por ele nem o espelho do telescópio, de 8 metros, nem várias outras peças do instrumento, medindo 9 metros.
Discutimos longamente a questão no Conselho Diretor. Transportar tudo com um super-helicóptero? Inviável. Seria mais fácil atrasar as obras para depois que o espelho estivesse pronto, no final de 1999. O governo chileno não aceitou. Propusemos, então, a única saída em vista: pagar pelo alargamento do túnel. E assim foi feito. Por 600 000 dólares a abertura ficou com 10 metros. Outro dia, passei pelo túnel, que já está pronto. Disseram-me que é o mais largo existente no Chile.
No final do ano que vem, o telescópio estará montado. Já estamos pensando numa grande festa. Álcool não é permitido em observatórios astronômicos, mas em festas assim abre-se uma exceção. Alguns certamentre brindarão com vinho chileno, que é muito bom; outros, com pisco sauer. Eu, que não tomo bebida alcoólica, brindarei com água mineral. Saúde!
João Steiner é professor de Astrofísica do Instituto Astronômico e Geofísico da USP