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Urubu, o novo patinho feio

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h32 - Publicado em 31 Maio 1996, 22h00

Adriana Garcia Martinez

Muita gente acha o urubu um bicho detestável. É verdade que ele come carniça, adora lixo e é meio sinistro. Mas também é ecologicamente correto, voa como ninguém e possui admiradores no Brasil, no mundo e até na Internet. O que você não imaginava é que ele fosse parente da cegonha e da garça. Cientistas americanos descobriram que o troncho urubu é o patinho feio de uma família elegantésima.

Urubus andam sobrevoando a comunidade científica. E não porque estejam atrás de carniça. O bicho provocou um tremendo alvoroço desde que os pesquisadores americanos Charles G. Sibley, da Universidade de Yale, e Burt L. Monroe, da Universidade de Louiseville, publicaram, em 1990, o livro Distribuição e Taxonomia das Aves do Planeta. Utilizando técnicas da genética para contar as diferenças no DNA de cada espécie, eles propuseram uma reclassificação geral das aves. O trabalho deles vem sendo cada vez mais aceito, mas muitos ornitólogos se arrepiaram quando a dupla propôs que a família dos urubus, tradicionalmente associados à ordem dos falconiformes – que inclui falcões, águias e gaviões –, fossem transferidos para a ordem dos ciconiformes – da cegonha e da garça. Mas o DNA não mente: o desengonçado urubu é primo da esguia cegonha.

As aves são classificadas por ordens, depois por famílias, gênero e espécie. No passado, os critérios eram as semelhanças anatômicas e morfológicas entre os grupos. Mas com a contagem do DNA foi possível identificar as similaridades genéticas. “Nós adotamos a classificacão de Sibley e Monroe e vários cientistas estão trabalhando com genética, porque o método é mais completo e permite classificar todas as espécies de aves”, disse à SUPER o biólogo Luiz Francisco Sanfilippo, chefe do Departamento de Aves do Zoológico de São Paulo.

Mas muita gente não engole o urubu como primo da cegonha. “A família das cegonhas não tem nada a ver com a dos urubus. São diferentes. A cegonha consegue pegar peixe com o bico e o urubu não. Técnicas genéticas não dão certo para a classificação de aves. O melhor método é a comparação morfológica e do comportamento”, rebate o ornitólogo Johann Dalgas Frisch, autor do guia Aves Brasileiras.

O fato é que o urubu feio, sujo e nojentinho vem conquistando cada vez mais popularidade. E ganhou até endereço fixo na Internet, a Turkey Vulture Society (veja Para Saber Mais, no final desta reportagem), no qual os fãs trocam informações sobre as últimas revoadas dos bandos, descrevem hábitos e defendem espécies da extinção. Nas Américas, de onde é natural, o urubu provoca curiosidade e admiração aos que se dedicam a observá-lo com atenção. Na cultura popular brasileira ele é um bicho agourento mas, ao mesmo tempo, o rei da malandragem. Quem começa a estudar o urubu logo vê que ele não é tão terrível quanto parece.

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Um militante da preguiça ecológica

Os urubus desempenham nas Amé-ricas o mesmo papel ecológico dos abutres e das hienas na África: livrar a natureza de animais em estado de putrefação. No Brasil há quatro espécies, fora as visitas eventuais do vizinho andino, o condor, que apesar da majestade é parente do nosso malandro. Só o urubu-preto gosta de andar em bandos. Em cativeiro, duram até 60 anos.

O bicho não faz muito para melhorar sua imagem. Ele tem a cabeça raspada para chafurdar na carniça e passa mais da metade do dia se limpando. Senão, jamais conseguiria alçar vôo, pois a plumagem precisa estar em perfeitas condições para decolar. Urubus são capazes de ficar dias sem comer e voar 100 quilômetros atrás de alimento. Podem localizar um objeto de 30 centímetros a 3 000 metros de altura. São chamados de aves “generalistas”, pois comem o que aparecer. Eles não têm preferência por carniça e adorariam filet mignon. Mas carniça sempre sobra, não é preciso caçar e ninguém disputa.

Quando em perigo, os urubus vomitam boa parte do que consumiram para alçar vôo com rapidez. Têm pés chatos, que atrapalham os movimentos no chão e impedem a captura de presas com as garras, como fazem as aves de rapina. Outra característica particular é a sua termorregulação: como não possuem glândulas sudoríparas, têm narinas vazadas (o bico é perfurado), por onde transpiram.

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Um exercício refrescante e bem fedorento da ave, é aliviar o calor urinando e defecando sobre as pernas. O cheiro serve como defesa, já que o animal é pacífico e oportunista. Para atacar, sua vítima tem que estar pelo menos moribunda. Em toda a vida do urubu impera a lei do menor esforço.

Malandragem, astúcia e simpatia

A palavra urubu, que marca profundamente a cultura brasileira, vem de uru-bu, que significa galinha preta em tupi-guarani. Na cosmologia tupinambá, há uma divindade, “o senhor dos urubus”, encarregada de receber as almas dos mortos que chegam aos céus. No Maranhão, a tribo dos Urubu-caapor tem a mais apurada arte plumária indígena do Brasil. Aqui, o urubu substituiu o corvo europeu nas fábulas como as de La Fontaine e Esopo e em histórias populares como O Urubu e o Sapo e Festa no Céu. Segundo o folclorista Câmara Cascudo (1898-1986), a ave é tanto símbolo de mau agouro quanto de pouco esforço, oportunismo e vagabundagem. “É esperto, astuto e raramente enganado, o compadre urubu das fábulas brasileiras”, afirma Cascudo no Dicionário do Folclore Brasileiro.

Nos ditados populares, a ave ganha muitos nomes, como urubu-campeiro, urubutinga, urubu-chacareiro, urubu-ministro e urubupeba. “Urubu pelado não mora em bando”, “Praga de urubu não mata cavalo velho”, “Alegria de urubu é carniça” e “Anda tão mal que já está chamando urubu de meu louro” são apenas algumas das dezenas de ditados sobre o bicho.

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Escritores como Manuel Bandeira, Guimarães Rosa, Machado de Assis e Mário de Andrade fizeram várias alusões à ave em suas obras. Que também inspirou a melancolia do poeta simbolista Augusto dos Anjos, autor da frase: “Ah! Um urubu pousou na minha sorte”. Até Walt Disney recorreu ao urubu. Ao inventar o personagem Zé Carioca, em 1942, sob encomenda do governo norte-americano, para atrair as simpatias do Brasil para os aliados durante a Segunda Guerra Mundial, deu-lhe como companheiro o urubu Nestor, um carioca sempre duro, que vive de bicos. Nestor, como diz outro ditado, vive “escovando o urubu”, ou seja, vadiando, desempregado.

Símbolo popular

Na música popular o urubu recebeu uma grande homenagem do maestro Tom Jobim. Bom observador da natureza, Tom tinha especial admiração pelo cabeça-vermelha. No disco Urubu, de 1976, fez uma dedicatória na contracapa: “Urubu procurador, urubu achador. Que sabes, do alto, o que se esconde no chão da mata virgem e dos muitos perfumes que sobem do mundo. Eterno vigia de um tempo imperecível. Nos vetustos paredões de pedra, dorme o perfil de um urubu”.

A ave também invadiu o futebol. Um dos times mais populares do mundo, o Flamengo, adotou o urubu como símbolo. Nos anos quarenta, o mascote da torcida era o marinheiro Popeye, forte e valente. Mas, no final dos anos 60, o urubu desenhado pelo cartunista Henfil, quando trabalhava no Jornal dos Sports, e depois redesenhado por Ziraldo, conquistou a torcida. Em junho de 1969, um torcedor soltou uma ave com uma bandeira do time amarrada nos pés, no Maracanã, minutos antes do clube enfrentar o Botafogo. A torcida, apanhada de surpresa, aplaudiu. Como não vencia há quatro anos e o resultado foi dois a um para o Fla, o urubu passou a ser sinônimo de sorte. Desde estão, os flamenguistas adoram soltar urubu nos jogos. Difícil é entrar no estádio com o bicho escondido da polícia.

PARA SABER MAIS

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Ornitologia Brasileira – Uma Introducão, Helmut Sick, Unb, Brasília, 1986.

História Natural das Aves do Brasil, J. Th. Descourtilz, Itatiaia, Belo Horizonte, 1983.

Eagles, Hawks and Falcons of the World, Leslie Brown & Dean Amadon, Mc Graw Hill Book Company , NY, 1968.

The World Atlas of Birds, Crescent Books, Londres, 1974.

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Na Internet:

Turkey Vulture Society, vulture@accuter.com. (pela webcrawler).

Bom, eu sempre me achei parecido com a cegonha…

Falcão

Até 1990, a ordem dos falconiformes, dos falcões, águias e gaviões, incluía os urubus. Falcões têm garras afiadas para segurar as presas e bico adunco.

Urubu

Os urubus são da família Cathartidae. Seu bico é perfurado e, como as garças e cegonhas, não têm garras. As patas são chatas como as das galinhas. Incapazes de carregar as presas, são obrigados a comer o que encontram pelo chão.

Cegonha

Garças e Cegonhas são da ordem ciconiforme. Algumas espécies dessa ordem além de semelhanças morfológicas com os urubus também se alimentam de animais mortos e costumam defecar sobre as pernas para se refrescar.

Cinco primos de uma família muito popular

Urubu-rei.

O soberano colorido

Mede 79 centímetros de altura, 180 centímetros de envergadura de asas (de uma ponta à outra) e pesa 3 quilos. Vive em casais em todo o norte da América Latina e é maior e mais forte do que os outros. Quando o Sarcoramphus papa chega, todos saem de perto até ele comer e ficar satisfeito. Não é que seja briguento, mas como dilacera cadáveres com facilidade, sua presença vem bem a calhar para o resto da turma, já que os menores possuem bico mais frágil. Têm uma carúncula colorida na cabeça (um pedaço de pele pendente) para atrair o sexo oposto. Possui visão mais ampla que os demais mas o olfato não é dos melhores.

Urubu-preto.

O boa-praça

Mede 62 centímetros de altura, 143 de envergadura e pesa 1,6 quilo. O Coragyps atratus é a espécie mais comum e pode ser encontrada em qualquer lugar, na cidade, na mata ou no litoral, nas Américas todas. Muito sociável, vive em bandos, onde os casais permanecem unidos. Seu olfato é especialmente desenvolvido. Às vezes atacam bezerros e outros animais jovens, desde que estejam à beira da morte.

Cabeça-vermelha.

O grande voador

Mede 56 centímetros de altura, 137 a 180 centímetros de envergadura, pesa entre 1,2 e 2 quilos e vive do norte da América do Sul ao sul do Canadá. Também conhecido como urubu-caçador ou urubu-peru, o Cathartes aura é um exímio voador, planando com facilidade, envergando o corpo para os lados e voando rasante. É capaz de capturar pequenos vertebrados só com o bico. Tem o faro mais aguçado da família e é sempre o primeiro a chegar na comida.

Cabeça-amarela.

O pequeno notável

Mede 54 centímetros de altura, tem 130 a 170 centímetros de envergadura e pesa de 1,2 a 2,0 quilos. O Cathartes burrovianus é o mais delicado e menor dos urubus. Tem plumas chegando até a nuca e vive perto de áreas cultivadas, de rios cercados de mata e pântanos do Nordeste do Brasil e Amazônia. Mais raro de ser encontrado, um irmão seu, o Cathartes melambrotos, também habita a Amazônia. Tem o mesmo tamanho do urubu-rei mas sua cabeça não é tão colorida como a do irmão.

Condor.

O primo chileno

Mede 110 centímetros de altura, 3,2 metros de envergadura e pesa até 12 quilos. Em franco processo de extinção, o condor-dos-Andes (Vultur gryphus) só não ganha em envergadura do albatroz gigante. Possui um espesso colar de plumas ao redor do pescoço. Eventualmente, sai da Cordilheira dos Andes para procurar carniça no Mato Grosso, durante a seca. Na América do Norte também existe o condor da Califórnia (Gymnogyps californianus), bem menor.

O vôo do malandro

Como subir sem fazer força.

Por terem os pés chatos, os urubus andam com dificuldade, aos pulos, e têm dificuldade para decolar. Mas no ar, são reis. Eles aproveitam as horas mais quentes do dia para pegar carona nas correntes de ar ascendentes e sobem com pouco esforço, descrevendo espirais em largos círculos. Podem ficar planando horas a fio. Acidentes de avião por choque com urubus são comuns e por isso depósitos de lixo perto de aeroportos são perigosos. A Força Aérea norte-americana registrou 16 198 colisões com aves nos últimos cinco anos, entre as quais a trombada com o urubu é a mais freqüente.

Desinfetante natural

Os cientistas não sabem explicar, até hoje, como o urubu consegue comer carne podre sem passar mal. Mesmo vivendo na podridão, ele não transmite doenças. Há pesquisadores que acham que os anticorpos do seu sistema imunológico são mais importantes do que eventuais proteínas ou enzimas especiais do seu suco gástrico. O que se sabe é que “a diferença entre o sistema digestivo deles e o de outras aves é a maior quantidade de ácido clorídrico no estômago”, diz o biólogo Luiz Francisco Sanfilippo. Mas isso não resolve o enigma. Os urubus são imunes a várias doenças que atingem os homens, como o botulismo. Por isso, seu sistema imunológico está sob estudo. Ele pode vir a ajudar a combater vírus como o da AIDS

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