Vaga-lume. Me dê uma luz
O pisca-pisca do vaga-lume, quem diria, é superútil. Além de analisar antibióticos e até o espermatozóide, vai em breve participar de testes sanguíneos mais eficientes.
Ivonete D. Lucírio
Antes, era um brinquedo da roça. A molecada do interior capturava vaga-lumes para brincar com o mágico pisca-pisca da natureza. Mais recentemente, marmanjos saídos das universidades passaram a fazer a mesma coisa, mas com um objetivo bem mais sério: entender como esse tipo de besouro consegue gerar luz e que utilidade ela pode ter na nossa vida prática. Logo descobriram que os chamados pirilampos têm um sistema extremamente econômico para cintilar. Da energia que produzem, 90% vira luminosidade e apenas 10% se perde em calor. Exatamente o inverso do que ocorre numa lâmpada comum. Já se sabe que o brilho – que para o inseto serve principalmente como código de paquera, um jeito de atrair o sexo oposto – tem várias utilidades para o homem. A partir das substâncias encontradas no besouro, é possível analisar a qualidade da comida, de medicamentos e até das células humanas. E não é só. Novos estudos anunciam outras aplicações.
Como se rouba um segredo da natureza
No corpo do vaga-lume existe um pequeno laboratório de Química. “São as chamadas lanternas”, diz o biólogo Vadin Viviani, da Universidade de São Paulo (USP). Ali moram os fotócitos, células que produzem luz, iguais às daqueles peixes que brilham. O interruptor que acende essas lâmpadas é o sistema nervoso central e pode ser ligado por vários motivos – um deles é o ambiente escuro. Na hora do clic, a molécula de ATP, armazenadora de energia, provoca a reação do oxigênio com uma substância batizada de luciferina. Também entra em ação a enzima luciferase. Dessa mistura resulta a molécula de oxiluciferina, que a essa altura está, como dizem os cientistas, excitada. Ou seja, ali tem energia sobrando, pronta para se perder em forma de luz (veja na página ao lado).
Há dez anos, a ciência começou a imitar o vaga-lume artificialmente. A luciferina foi sintetizada em laboratório. Embora a luciferase não pudesse ser copiada, por ser uma molécula grande, a engenharia genética usou algumas bactérias, como a Escherichia coli, para fabricá-la. O DNA, que carrega as características da lanterna, foi implantado nas bactérias para produzir luciferase. Pronto: com o segredo da luz nas mãos, a ciência partiu para a sua aplicação prática (veja o quadro acima).
Mocinha da luz vermelha
Esse vaga-lume que você está acostumado a ver piscando por aí não é o único que existe. A turma do liga-desliga, com lanterna verde-amarelada na parte traseira, é apenas a maior das famílias de pirilampos. Seus componentes são chamados lampirídios. Eles têm dois grupos de parentes. Um é o dos elaterídeos, com uma lanterna no abdome e outras duas próximas à cabeça, parecidas com olhos. Sua luminescência é da mesma cor da dos lampirídeos, só que a luz não pisca. Mas o mais intrigante mesmo é o terceiro grupo, dos fengodídeos. O corpo das larvas e da fêmea é rodeado por lanternas verde-amareladas e tem, na cabeça, uma brilhante lanterna vermelha.
A explicação para essa diferença surgiu na última reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em julho deste ano. O químico Etevaldo Bechara, citando as pesquisas do biólogo Vadin, mostrou que a cor da luz emitida pelo vaga-lume depende do tipo de aminoácido que entra na formação da luciferase. É uma boa notícia. Segundo Vadin, a luciferase vermelha poderá ser útil na análise dos glóbulos vermelhos do homem, pois a coloração semelhante à do reagente reflete melhor a luz nos testes sanguíneos.
S luminoso dispara durante o ataque
Eles cintilam a vida inteira. “A larva nasce entre quinze e trinta dias depois que a fêmea pôs os ovos”, conta a entomologista Cleide Costa, do Museu de Zoologia da USP. “Vai ser larva até completar 1 ou 2 anos, mas já brilha.” Nesse estágio, o vaga-lume não pode voar nem piscar, qualquer que seja a espécie. Sua luminosidade é constante. Não se sabe com certeza qual é a finalidade dela, mas alguns biólogos acreditam que seja a defesa.
Ilusão de ótica
Quando uma larva se vê ameaçada por um predador, geralmente pássaros e sapos, acende a lanterna para pedir ajuda às companheiras. Aí, imediatamente outras larvas se acendem, confundindo o caçador. O que não impede que uma ou outra acabe sendo devorada. Petiscos cintilantes.
Acender para defender também é a estratégia dos vaga-lumes elaterídeos adultos. Neles, o brilho imita grandes olhos. Assim, no escuro, o bicho parece maior e mais resistente a ameaças. As larvas e as fêmeas dos fengodídeos são as únicas que parecem usar suas lanternas vermelhas para uma outra finalidade. Desconfia-se que as acendam com o objetivo de iluminar o caminho. Como a maioria dos predadores não enxerga essa cor, elas poderiam se deslocar para um lado e para o outro sem ser vistas. “Mas, para ter certeza disso, ainda temos de provar que o olho do próprio inseto é sensível ao vermelho”, explica o químico Etevaldo Bechara, da USP, que estuda bioluminescência.
Condomínio fechado no cupinzeiro
A maioria das larvas mora na vegetação rasteira e se alimenta de plantas e insetos menores. Mas algumas não se contentam com casas térreas. Preferem alugar prédios altos. É assim com duas espécies de elaterídeos da Amazônia e do Parque Nacional das Emas, na divisa entre Goiás e Mato Grosso do Sul. Ambiciosas, elas sublocam o imóvel dos cupins.
As fêmeas põem os ovos na base dos cupinzeiros. Ao nascer, as larvas constroem túneis na sua superfície e escolhem um lugar para se instalar (veja a foto abaixo). À noite, o monte de barro fica todo aceso, como um prédio de apartamentos. As larvas brilham para atrair insetos voadores da vizinhança, inclusive cupins, e fazer um bom jantar. Aliás, é na fase larval que elas têm de se alimentar bem. Depois de adulto, o vaga-lume pára de comer e consome a energia acumulada.
Noivas fatais
Quando cresce, o pirilampo só pensa em namorar. E as candidatas usam técnicas de conquista diferentes. Na família dos lampirídeos, cada espécie pisca num estilo próprio. Assim, o futuro marido não se confunde na hora de achar a fêmea certa (veja infográfico acima). Algumas delas, porém, aprendem a imitar o pisca-pisca das outras. E fazem isso de propósito. Só que, em vez de iniciar um romance, elas engolem o macho que atraem. Existem fêmeas que comem até os machos da mesma espécie. “Quando colocamos vagalumes do gênero Photuris em cativeiro, a fêmea devora o parceiro”, conta o entomologista J. E. Lloyde, da Universidade da Flórida (Estados Unidos), que estuda o comportamento desses insetos desde 1962. “Imagino que, na natureza, façam a mesma coisa.” Como se vê, na noite brilhante dos vaga-lumes, nunca se sabe quando uma simples piscada será fatal.
PARA SABER MAIS:
Introdução ao Estudo dos Insetos, Donald Borror e Dwight Delong, Editora Edgard Blücher, São Paulo, 1988.
Ciência & Natureza – Comportamento Animal, Time Life/Abril Livros, Rio de Janeiro, 1995.
O teste do pisca-pisca
As substâncias luciferina e luciferase, responsáveis pela luz do vaga-lume, testam antibióticos, alimentos e até a fertilidade.
Se ficou escuro, o remédio é bom
Implanta-se na bactéria responsável por uma doença o gene que comanda a produção de substâncias luminescentes. Depois, aplica-se o antibiótico. Se continuar brilhando, é porque a bactéria está viva e o remédio não funcionou.
Espermatozóide é pra brilhar
Quanto mais ATP houver no espermatozóide, mais ele brilha ao receber a mistura de luciferina e luciferase. Se cintilar pouco, é sinal de que a célula tem pouco ATP: está fora de forma e, portanto, pouco fértil.
Comida não pode reluzir
Se acender, o alimento está estragado. A luminescência indica que há bactérias ativas na comida. É que todo organismo em atividade tem ATP, que desprende luz quando combinado com a luciferina e a luciferase.
Um besouro que já vem com pilha
A reação química acende o pirilampo.
1 – O sistema nervoso central do inseto é estimulado pela mudança da luz ambiente, de claro para escuro, ou pela presença do sexo oposto nas redondezas. Aí, manda impulsos para a lanterna.
2 – As células da lanterna, os fotócitos, contêm as substâncias luciferina e luciferase. Com o impulso nervoso, o organismo do vaga-lume envia oxigênio para essas células. Ao entrar em contato com ele, a luciferina é envolvida pela luciferase. O ATP da célula entra com a energia e os ingredientes reagem quimicamente.
3 – O resultado é uma nova molécula, a oxiluciferina. Ela já nasce com energia sobrando, que é liberada na forma de luz. A lanterna brilha. Também se formam moléculas de gás carbônico, que o organismo do animal eliminará depois.
Antenas para namorar de dia
Nas espécies de vaga-lume que têm hábitos diurnos, a tendência do brilho é diminuir. Aí, o inseto precisa achar outras estratégias para chamar a atenção do sexo oposto. Uma delas é desenvolver superantenas que captam no ar substâncias secretadas pela fêmea. Foi a solução encontrada pelo lampirídeo ao lado.
Cada um paquera do seu jeito
As piscadelas variam do macho para a fêmea e de uma espécie para outra.
Traduzindo o pirilampês
Pesquisas realizadas com os vaga-lumes lampirídios genji (japonês) e princesa (americano) mostram a diferença da freqüência de emissão de luz. Neste gráfico, a curva indica que a luz está acesa e a linha horizontal, que está apagada. Quanto mais alta a curva, mais intenso o brilho.