Veículos movidos a àgua
Abastecer o possante nas ondas do mar? A única barreira real é a logística, afirmam pesquisadores
Texto R.L.
Combustíveis fósseis, como a gasolina e o diesel, são o pesadelo dos que tentam acabar com o aquecimento global. E o pior é que, apesar da profusão de formas renováveis de energia por aí, as perspectivas de substituir todos os combustíveis derivados do petróleo do mundo por álcool, bem menos agressivo para o clima, não são muito animadoras. Como, então, manter os carros rodando sem uma bagunça climática generalizada e sem que todo mundo fique a pé? Para alguns pesquisadores e empresários, a resposta é simples. Encha o tanque com água.
Com água e algumas coisinhas mais, claro. Desenvolver maneiras de processar a água como combustível pode ser o caminho mais simples e barato para a chamada economia do hidrogênio, na qual esse gás, cuja queima produz a própria água, seria uma fonte pouco onerosa e ambientalmente segura de energia. O impressionante é que já existem vários modelos experimentais de como fazer a coisa.
Mas, se o interesse é usar a água para fabricar hidrogênio, porque não usar o dito-cujo de forma direta? Primeiro, porque o gás, muito leve, quase não aparece em sua forma livre na atmosfera da Terra. Em segundo lugar, as características físicas e químicas do hidrogênio tornam o seu armazenamento, na forma pura, um verdadeiro pesadelo. Justamente por ser pouco denso, ele exige espaços imensos para ser guardado na forma gasosa, a não ser que seja comprimido ou, melhor ainda, resfriado até virar líquido. Mas o processo de liquefação exige um gasto equivalente a 40% da energia disponível no próprio hidrogênio, atrapalhando a viabilidade econômica da coisa. Além do mais, ele é absurdamente inflamável. Se você acha uma chatice ter de desligar o celular perto das bombas de gasolina, é porque nunca imaginou a trabalheira de segurança que um posto de hidrogênio exigiria. O fato de a água já vir naturalmente na forma líquida, portanto, é uma vantagem enorme, seja para o armazenamento nos tanques dos carros, seja para o armazenamento e distribuição em grandes centrais e postos. A água, como todos sabemos desde o ensino fundamental, é formada por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. Como “quebrá-la” para obter o precioso hidrogênio? Com boro, aposta Tareq Abu-Hamed, pesquisador da Universidade de Minnesota (EUA).
O segredo do boro
Trabalhando em parceria com cientistas do Instituto Científico Weizmann, em Israel, Abu-Hamed criou um sistema simples em que o boro, elemento que reage violentamente com a água, arranca os átomos de hidrogênio do líquido. Depois disso, o gás pode ser queimado num motor de combustão interna, não muito diferente do que existe em carros movidos a gasolina ou a álcool. O subproduto dessas reações químicas é o óxido de boro, composto que pode ser reciclado de forma indefinida, mantendo o sistema bastante sustentável, seja economicamente, seja ambientalmente. Abu-Hamed e companhia calculam que, para funcionar com tranquilidade, um carro desse modelo teria de carregar 45 litros de água e 18 kg de boro, levando à produção de 5 kg de hidrogênio. O pacote teria o mesmo “conteúdo de energia” de um tanque de gasolina com 40 litros.
Usando princípios bastante parecidos e uma estrutura um pouco mais complicada, a empresa automobilística DaimlerChrysler construiu um carro-conceito (aqueles cheios de frescuras que aparecem em exposições) chamado Natrium. O bichinho, em vez de boro, usava sódio, outro elemento químico com mania de arrancar hidrogênio de água. O projeto acabou não indo em frente, mas o veículo funcionava bem. A incógnita é se haverá interesse de investidores para criar sistemas de armazenamento e distribuição de combustíveis para esse tipo de veículo, ou se outros modelos de carro sustentável vão vingar. A ideia, ao menos, é bem viável.