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Vida em Vênus? Novos estudos questionam detecção de fosfina no planeta

Novos artigos argumentam que a notícia que abalou a astrobiologia não é tão animadora assim. O que achava-se que era fosfina talvez seja dióxido de enxofre.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 18 Maio 2023, 11h11 - Publicado em 5 fev 2021, 16h35

Em setembro de 2020, uma equipe internacional de astrônomos publicou um estudo que alegava ter detectado a presença de fosfina em Vênus. A notícia chacoalhou o campo da astrobiologia e ganhou as manchetes de todo o mundo, já que a molécula poderia ser um indício de vida no nosso vizinho cósmico. Nos meses seguintes, porém, a animação diminuiu após a divulgação de um erro na primeira análise de dados – e, recentemente, dois novos estudos trouxeram o maior contraponto de toda a história até agora, questionando a própria detecção de fosfina na atmosfera de Vênus.

Segundo os novos resultados, é possível que a suposta detecção de fosfina na verdade tenha sido resultado de uma confusão com outro gás, o dióxido de enxofre, que é comum na atmosfera venusiana. Se confirmada, essa informação poderia colocar fim ao entusiasmo gerado pela possibilidade de vida no planeta.

Entenda a saga

Confirmar ou não a presença de fosfina no planeta é importante porque o gás é um indício relevante (embora não uma confirmação) de que poderia haver vida em Vênus. Na Terra, essa molécula (PH3) é produzida por alguns microrganismos que vivem em locais sem oxigênio e utilizam métodos de obtenção de energia diferentes da nossa respiração. Uma das hipóteses é que esses organismos (ou seres parecidos) conseguissem prosperar nas camadas da atmosfera de Vênus, que tem condições de temperatura e pressão muito mais amigáveis do que a sua superfície.

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Em Vênus, até seria possível que outros fenômenos naturais, como vulcanismo, queda de meteoritos ou reações químicas catalisadas por raios gerassem a fosfina. Mas, no estudo original publicado na revista Nature Astronomy, a equipe analisou todas essas possibilidades e concluiu que elas não poderiam estar por trás da quantidade de gás encontrado. Ou seja: ou algum fenômeno até agora desconhecido seria o responsável pela fosfina; ou de fato poderiam ser organismos vivos. Era uma conclusão bastante assertiva – e animadora.

Com a repercussão, cientistas de todo o mundo se voltaram para a descoberta, é claro, e começaram suas próprias investigações. A detecção da fosfina havia sido feita usando duas bases de dados: a primeira coletada pelo Telescópio James Clerk Maxwell (JCMT), que fica no Havaí, e a segunda pelo potente observatório Atacama Large Millimeter Array (ALMA), localizado no Chile. O ALMA é mais potente e foi usado para confirmar as observações do JCMT, que levantaram a suspeita da fosfina no planeta ainda em 2017. 

Mas logo após a publicação do artigo, equipes independentes de pesquisadores começaram a publicar resultados diferentes usando os mesmos dados. As pesquisas concluíram que a quantidade de fosfina ou era muito menor que anunciada, ou que não era possível provar que ela existia. Um dos estudos afirmou categoricamente que a “identificação de fosfina nos dados deve ser considerada inválida devido a graves problemas de calibragem” nos equipamentos usados.

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Em novembro, os cientistas do artigo original admitiram que havia um erro de calibração nos dados iniciais coletados pelo ALMA. Segundo Jane Greaves, astrônoma da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, e líder do projeto internacional, havia um sinal espúrio na base de dados original do observatório que interferiu nos resultados. Após a correção dessa imprecisão, a equipe publicou novos resultados muito menos animadores: a fosfina existe sim na atmosfera de Vênus, argumentam os cientistas, mas em quantidade média de apenas 1 parte por bilhão (ppb) – aproximadamente um sétimo do que havia sido calculado antes.

Após a correção, a equipe adotou um tom menos assertivo e as esperanças de que o gás significava vida diminuíram – mas não foram totalmente eliminadas. Agora, porém, cientistas independentes estão publicando novamente suas análises, dessa vez usando a base de dados corrigida do ALMA. E as críticas ao estudo original são ainda mais duras.

O que dizem os novos estudos

Astrônomos da Universidade de Washington em Seattle, nos Estados Unidos, lideraram dois estudos separados em parceria com pesquisadores de vários centros de pesquisa e universidades. Ambos os artigos trazem conclusões semelhantes: é provável que a tal da detecção da fosfina na verdade tenha sido a detecção de um outro gás, o dióxido de enxofre (SO2), que é bastante comum no planeta e não é um sinal de vida. Os estudos já foram aceitos para a publicação na revista Astrophysical Journal Letters, e por enquanto podem ser acessados aqui e aqui.

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A detecção de gases e outras substâncias em outros planetas é feita analisando o espectro de radiação eletromagnética que chega na Terra. A luz branca é composta por várias frequências de onda, que quando decompostas foram um arco-íris (como na famosa capa de disco do Pink Floyd). Acontece que quando essa luz atravessa algum gás, o composto químico que está ali absorve comprimentos específicos de onda. Como cada composto um absorve comprimentos específicos de luz, é possível saber com qual molécula se está lidando apenas olhando para esse espectro.

No caso de Vênus, tanto a fosfina como o dióxido de enxofre gerariam sinais muito parecidos. A equipe do estudo de setembro sabia disso – e considerou essa possibilidade. Na época, os pesquisadores argumentaram que o dióxido de enxofre também exibiria outros sinais no ALMA – mas não havia esses sinais na base de dados. Por isso, descartaram a possibilidade.

Mas isso foi antes da correção dos dados feita em novembro. Em um dos novos estudos, os pesquisadores de Seattle dizem que não é mais possível afirmar que o que foi observado é fosfina. “Nós simplesmente não conseguimos enxergar [a fosfina]”, disse Victoria Meadows, que liderou o estudo, em entrevista à Nature.

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O segundo artigo foi além: os pesquisadores fizeram diversos modelos de como a atmosfera de Vênus se comporta em diferentes condições, e chegaram a conclusão de que os sinais observados pela equipe original seriam mais bem explicados por quantidades de SO2 encontradas a mais de 80 km da atmosfera do planeta do que por fosfina a 50 km ou 60 km, como divulgado anteriormente.

“Nossos novos estudos fornecem um cenário completo que mostra como as quantidades típicas de dióxido de enxofre na mesosfera de Vênus podem explicar tanto as detecções de sinal quanto as falhas de detecções nos dados do JCMT e do ALMA, sem a necessidade de fosfina”, disse Meadows em comunicado

As críticas, é claro, também não são definitivas – e ninguém afirma com certeza que não existe fosfina na atmosfera venusiana. Jane Greaves, que lidera a equipe da detecção da fosfina, afirmou que ela e seus colegas estão analisando os artigos publicados e preparam uma resposta para seus argumentos. 

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De qualquer forma, a saga pela busca de vida em Vênus está longe de acabar. Até agora, tanto os estudos que afirmam ter encontrado fosfina como os que questionam a descoberta se baseiam em dados antigos ou coletados por telescópios baseados na Terra, que não foram criados especificamente para fazer esse tipo de detecção.

Todos os resultados são extraídos dessas observações usando métodos que podem sofrer com erros ou interferências. O meio mais eficaz de bater o martelo sobre a questão seria enviar uma sonda para o planeta com um equipamento feito especificamente para detectar fosfina (e outros compostos, é claro).

Infelizmente, a única sonda que está orbitando Vênus nesse momento é a japonesa Akatsuki, que não carrega detectores adequados para essa empreitada. Mas, talvez, não continue assim por muito tempo: a possível detecção de setembro ouriçou agências espaciais pelo mundo – e deu gás para projetos de exploração do planeta que possam, enfim, confirmar ou não a presença de fosfina. 

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