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Você está demitido

Ninguém gosta dessa notícia: ela causa uma série de reações em seu corpo que fará você liberar seus instintos mais primitivos. E, ainda por cima, vai doer

Por Luisa Destri
Atualizado em 18 jan 2017, 19h31 - Publicado em 26 fev 2011, 22h00

Só pra variar, o vizinho de baia contou a piada de sempre ao chegar. O café continuava com o tradicional gostinho de cimento. E, pela quinta vez na semana, o computador deu pau. A rotina do trabalho seguia como sempre. Até que o chefe chamou você – e só você – para uma conversa a portas fechadas. Em um segundo, aquele mundo ao seu redor se desmanchou. Não, na verdade, o mundo continuou ali – você é que deixou de fazer parte dele. Adeus baia, adeus endereço de e-mail, adeus cartão de visita, adeus colegas que você via todos os dias, adeus plano de saúde corporativo, adeus desconto na academia. Só em 2009, até abril, mais de 3 milhões de brasileiros já passaram por essa situação – um número 17% maior do que no mesmo período do ano passado. Quem não passou se borra de medo de entrar para a lista, porque a recente crise mundial botou todo mundo na corda bamba. E o fantasma da demissão é mesmo de assustar: nos EUA, epicentro do abalo econômico, mais de 600 mil vagas estão desaparecendo todos os meses – seus ocupantes foram demitidos e ninguém vai entrar no lugar. Não à toa, a Organização Internacional do Trabalho tem considerado 2009 o pior ano para os trabalhadores das últimas duas décadas.

Ser alvo de um corte não faz bem pra ninguém. E não é só financeiramente. A notícia da demissão desencadeia uma série de reações no nosso corpo, que pode nos fazer oscilar entre humores tão opostos quanto a ira e a apatia. E que pode até provocar dores, físicas mesmo. Quer saber como é essa experiência? Respire fundo, pense no seu chefe (ou no Roberto Justus) e sinta-se como um demitido lendo as próximas linhas.

A hora do choque

Estresse
Você está frente a frente com o chefe, morrendo de medo do que ele tem para dizer. Pronto: seu cérebro percebeu que tem enrascada na área. Ele interpreta a situação como uma ameaça, e o corpo responde – ativa seus mecanismos de defesa, presentes em qualquer mamífero. Ainda que a conversa seja só uma ameaça simbólica (já que o chefe provavelmente não vai lhe dar porrada), o corpo prepara você para uma briga. Começa com o coração, acelerando os batimentos e enviando mais sangue para os músculos, pra garantir agilidade. Dois hormônios são liberados para manter a sua vigilância: adrenalina e cortisol. Ganhamos até proteção extra contra um possível ataque – as células do sistema imunológico se concentram na superfície do corpo. É o estresse, que aparece sempre que somos pressionados. E que vira e mexe volta à vida de um demitido, como você vai ver.

Herança dolorida
Sabe aquele incômodo nas costas e na base do pescoço que surge junto com o estresse? É uma dor que vem do tempo em que os homens eram quadrúpedes – diante de uma ameaça, os músculos que sustentam a cabeça se contraíam para manter nossa atenção no ambiente. Até hoje fazemos isso, mesmo sem ter mais motivo.

Desamparo e impotência
Seu chefe soltou a bomba: você está demitido. Ao receber essa notícia, a maioria das pessoas fica atônita. Mas, claro, sempre tem aquele que fica mais nervosinho.

Antes de saber que ia para a rua, você tinha praticamente virado um soldado, lembra? Depois, tudo o que conseguiu foi sair da sala com o rabo entre as pernas. A energia que o corpo acumulou para a batalha ficou sem uso – e daí vem a sensação de impotência. Uma pesquisa mostrou que 44% das pessoas ficam chocadas ao ser demitidas, segundo a consultoria de recolocação profissional Lens & Minarelli, que entrevistou quase 300 executivos brasileiros. Esse pessoal se sentiu atônito diante daquela situação irreversível. O baque é tão forte que pode durar algum tempo, e virou até tema de filme: o francês A Agenda, de 2001. Nele, o personagem Vincent é demitido, mas passa meses saindo de casa diariamente como se tivesse um emprego. É a negação, sentimento comum entre os demitidos da vida real, segundo Yvette Piha Lehman, professora do Instituto de Psicologia Social e do Trabalho da USP. “O demitido não aceita a sua situação e fica incapaz de digerir a verdade.” A demissão é mesmo um fato indigesto – e por isso tem gente que fica louca para usar aquela energia do estresse armazenada para a batalha. Ou seja, louca para voar no pescoço do chefe. Até porque 7 em 10 demitidos acham sua exclusão uma injustiça. E porque os problemas que virão a seguir, como a busca por emprego, são reconhecidos como novas ameaças pelo corpo. O que significa mais combustível para estresse e raiva.

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Os dias seguintes

Desamparo
Desapegue-se da vida de happy hours e almoço com os colegas. Ela agora não existe para você.

Hora de assumir o status de desempregado. No trabalho, você convivia umas 8 horas por dia com o pessoal do escritório (e alguns pentelhos, claro). A demissão acabou com isso. Sem falar nos mimos que o emprego garantia. Ou você acha que vale-refeição, vale-transporte e plano de saúde não faziam diferença? Nos acostumamos com facilidades como salão de cabeleireiro e academia no prédio da empresa. Tanto que nossa vida pessoal, e não só profissional, acaba atrelada à companhia. “Quando o trabalho se mistura à vida de alguém, a demissão é o mesmo que arrancar um pedaço da pessoa”, diz o psiquiatra Kalil Duailibi, ex-responsável pelas políticas de saúde mental da Prefeitura de São Paulo.

Tristeza e vergonha

De demitido a viúvo
Se demissão é o mesmo que arrancar um pedaço do próprio corpo, não é exagero dizer que ela é comparável à morte de alguém próximo, certo? Exatamente. Como o luto, a demissão desativa o sistema de recompensa do cérebro – aquele que dispara dopamina quando vivemos uma situação agradável, causando a sensação de prazer. Isso acontece para que a gente se lembre de algo bom e tente repetir a história. Diante de más notícias, no entanto, o corpo desliga o sistema justamente para que as memórias ruins não se repitam. Ficamos tristes. E, para que nos mantenhamos assim, diferentes áreas do cérebro armam um complô. Só o nome delas já assusta: o córtex cingulado anterior, que fica na região central do cérebro, é quem entra em ação primeiro – ele avisa que o transtorno deve ser enfrentado. Depois, o córtex pré-frontal (ali na sua testa) se encarrega de digerir e avaliar a situação. Por fim, o córtex subgenual (na parte da frente do cérebro) retrai os movimentos do corpo, nos deixando mais letárgicos. O objetivo dessa ação coordenada é fazer com que nos concentremos no problema para resolvê-lo. Mas a saída de cena do sistema de recompensa pode aprofundar outro sentimento clássico entre os demitidos: a vergonha. Não importa se seu chefe é um lunático e deu um pé na sua bunda porque o time dele foi rebaixado – você será apontado no corredor como “o demitido”. E isso acaba com a autoestima. Nesse momento, aquela dose de dopamina que foi cortada pelo cérebro faz uma falta e tanto. Ficamos sem um empurrão para erguer a cabeça, é mais difícil se recuperar. E tem gente com propensão a ficar assim. “Falhas hereditárias no sistema de recompensa podem significar uma tendência a sentir mais vergonha”, explica o neurologista Mauro Muszkat, da Unifesp. O resultado: a sensação de fracasso.

Meses depois

Dores
Estoque remédios para aliviar incômodos nos músculos, acabar com queimação no estômago e abaixar a pressão. Acredite, você vai precisar.

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Lamentar a demissão dói. De verdade. É o que acontece com algumas pessoas. “A demissão provoca uma angústia que pode ser convertida em sintoma físico”, explica o psiquiatra Duailibi. Tudo começa com o estresse, que já castiga o demitido no momento da demissão. Daí para a frente, é uma carreira desabalada rumo às pontadas pelo corpo. Aparecem dores musculares, por causa da contração dos músculos e da queda na produção de endorfina e serotonina, que amenizariam o desconforto. Dor de estômago, porque o estresse faz disparar a produção de substâncias ácidas no corpo. Problemas na circulação, porque os vasos sanguíneos se contraem quando ficamos estressados e aumentam a pressão arterial. É a somatização, uma saraivada de incômodos que pode começar a aparecer de 2 a 3 meses depois que você recebeu a bomba do chefe.

Depressão e ansiedade

O corpo nos derruba e descabela.
Triste, cheio de dores pelo corpo…você parece estar na lama. Esse estado pode mexer com seus neurônios. É o que acontece quando chegamos a um nível crônico de estresse. Nesse estágio, a produção de cortisol bomba no corpo, o que reduz a comunicação entre os neurônios do sistema de recompensa (aquele que dá a sensação de felicidade). É a depressão. Algumas pessoas têm uma predisposição a sentir-se assim. Elas possuem menos neurônios no hipocampo – uma zona do cérebro relacionada principalmente à memória. Esse grupo de neurônios combate a produção de cortisol, e não é tão eficiente se estiver desfalcado. “A depressão mata dois coelhos com uma só cajadada: dificulta a felicidade e facilita a tristeza”, escreve a neurocientista Suzana Houzel no livro Fique de Bem com Seu Cérebro. Isso porque, com a doença, as regiões do cérebro relacionadas a sentimentos negativos são estimuladas, e as ligadas a sentimentos positivos, enfraquecidas.

Nem todo demitido cai na depressão, claro. A ansiedade é bem mais popular. Na região metropolitana de São Paulo, um demitido leva, em média, 8 meses para voltar ao batente. Tomar chá de cadeira em processos seletivos por tanto tempo é de fazer qualquer um arrancar os cabelos. São dias em que o nosso corpo vive em alerta, um alerta parecido com aquele do estresse. A culpa é do hipocampo, que faz a ligação entre a parte do cérebro que cuida das nossas projeções e a que dispara o alarme. Cada vez que ficamos com medo do futuro, ele manda o corpo se preparar para a adversidade. E a ansiedade costuma nos acompanhar até o fim de todo esse ciclo: a conquista de um novo emprego. Até lá, haja unha para roer.

Faz bem?
Sim. o corpo também trabalha para que você se dê bem depois da demissão.Nem só de choro vive alguém que levou a pior no trabalho. Nosso corpo não dispara todos esses alertas e respostas à demissão à toa: ele quer nos proteger. Na dose certa, as reações nos ajudam. Quando ficamos tristes, nos concentramos no problema, o que nos permite achar soluções. A ansiedade nos faz antecipar os problemas que teremos lá no futuro – e, portanto, nos deixa preparados. O segredo é passar por todas as etapas sem emperrar em alguma delas. Quando o cérebro reconhecer uma nova oportunidade, nosso sistema de recompensa vai voltar ao trabalho, liberando dopamina. E nos deixará motivados para a próxima oportunidade de emprego.

Para saber mais

Fique de Bem com Seu Cérebro
Suzana Herculano-Houzel, Sextante, 2007.

Fired Up!
Harvey Mackay, Ballantine Books, 2005.

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Emotions Revealed
Paul Ekman, Holt Paperbacks, 2003.

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