500 anos de retrocesso
De acordo com o livro mais importante da história, o Sol gira em torno da Terra. Está na Bíblia: Deus fez a luz, o céu, as plantas. E só no quarto dos sete dias da criação, com a semana praticamente encerrada, pendurou o Sol na abóboda celeste, como um toque final de decoração. O autor […]
De acordo com o livro mais importante da história, o Sol gira em torno da Terra. Está na Bíblia: Deus fez a luz, o céu, as plantas. E só no quarto dos sete dias da criação, com a semana praticamente encerrada, pendurou o Sol na abóboda celeste, como um toque final de decoração. O autor desse trecho do Gênesis, segundo as hipóteses mais recentes, foi algum sacerdote judeu que viveu por volta de 550 a.C. Ele não teve culpa pela imprecisão, claro.
A humanidade tinha tanta informação a respeito do Sistema Solar na época quanto hoje tem sobre o interior dos buracos negros: zero.
Dois mil anos depois do Gênesis, no século 16, esse problema não existia mais. Copérnico já tinha demonstrado que, caramba, era a Terra que girava em torno do Sol, não o contrário. Mas faltava combinar com os políticos da época. Como o heliocentrismo batia de frente com um dogma bíblico, e Igreja e Estado ainda eram basicamente a mesma coisa, a teoria virou uma questão política. Se você fizesse parte de um determinado grupo, passava a vida tentando derrubar a teoria – como fez o grande Tycho Brahe, descobridor das supernovas, mentor de Johannes Kepler, e nascido um ano após a morte de Copérnico. O dinamarquês passou a defender que, sim, todos os planetas giravam em torno do Sol mesmo. Menos a Terra, numa tentativa bizarra de conciliar política e astronomia.
Enquanto isso, Galileu e o próprio Kepler se tornavam devotos do heliocentrismo.
E, ao aprimorar o trabalho de Copérnico, criaram a ciência moderna, inaugurando-a como uma área do conhecimento baseada em provas e consensos entre pesquisadores. Nascia ali
o método científico.
A teoria do aquecimento global é fruto do método científico, e um consenso entre os cientistas. Negá-la, a essa altura, é tão estúpido quanto refutar o heliocentrismo. Mesmo assim, Donald Trump sinalizou que a Agência de Proteção Ambiental dos EUA será ocupada por Tychos Brahes modernos – cientistas outsiders que seguem negando os efeitos deletérios do CO2, boa parte deles patrocinados por companhias emissoras de CO2. Se isso se confirmar, veremos de novo a política acorrentando a ciência. Que a razão ilumine a consciência de Trump logo, ou iremos testemunhar algo indigesto: um retrocesso de 500 anos na história do pensamento humano.