“O Uber do terror”
O Hélio Schwartsman, articulista brilhante da Folha, deu mais uma bola dentro na semana passada, quando chamou o Isis de “Uber do terror”. Agora, que a Polícia Federal fez a primeira prisão por suspeita de terrorismo no país, o ponto de vista do Hélio ficou ainda mais pertinente – até porque, diz a PF, esses dez […]
O Hélio Schwartsman, articulista brilhante da Folha, deu mais uma bola dentro na semana passada, quando chamou o Isis de “Uber do terror”. Agora, que a Polícia Federal fez a primeira prisão por suspeita de terrorismo no país, o ponto de vista do Hélio ficou ainda mais pertinente – até porque, diz a PF, esses dez brasileiros são simpatizantes do Estado Islâmico, e estariam dispostos a representar o grupo terrorista, mesmo sem ter contato algum com os membros centrais do Isis, os que vivem na na Síria e no Iraque.
O raciocínio do Hélio é o seguinte: antes do Uber, quem quisesse virar taxista tinha que pagar trocentos mil reais por um alvará, tirar licença de taxista, comprar lugar num ponto de táxi, entrar para o sindicato… Depois do Uber, acabou.Basta ter um carro, uma ficha limpa, e vontade de trabalhar que, tudo certo, você consegue levantar dinheiro transportando gente. Se antes do Uber, então, não era simples virar taxista, antes do Estado Islâmico não era fácil virar terrorista. Então veio o Isis. E agora basta o sujeito ter um Whatsapp e vontade de matar que, tudo certo, consegue morrer sob a (doce) ilusão de que saiu da vida para entrar na história. Acha que está dando um salto quântico, de uma vida ordinária para uma morte extraordinária. E o único intermediário entre o aspirante a terrorista e a “grife” do Isis é a internet. Basicamente igual acontece com o Uber – e com o AirBnB, que permite a qualquer indivíduo com um apartamento abrir um hotel.
Esse sistema transformou o Uber e o AirBnB em gigantes – tanto em valor de mercado, (bilionário, nos dois casos), como em aceitação do público. E foi ótimo, já que eles baratearam dois serviços historicamente luxuosos – transporte particular e hospedagem decente -, além de prover renda para milhões, em todos os cantos do mundo.
O irônico, e trágico, é que o Isis opera um sistema tão sofisticado quanto esse. Antes do Estado Islâmico, algum mané poderia até ser um cara aberto à ideia de se suicidar cometendo uma chacina ao longo do processo – como fizeram o caminhoneiro de Nice ou atirador de Orlando –, mas dificilmente obteria o alvará de um IRA, de um ETA ou de uma Al Qaeda atestando que a sua morte foi heroica. Heroica só para os membros do grupo terrorista em questão, claro, já que o resto do mundo continuaria te vendo como um imbecil, mas ainda assim uma morte aparentemente mais gloriosa do que se matar sozinho, dentro de casa.
Mas aí veio o Isis e esse problema acabou. Qualquer Zé das Couves do planeta que promova uma tragédia passível de ser interpretada como um ato contra o Ocidente ganha um título de mártir dentro do Isis. Nessas, Hélio Schwartsman especula, muita gente que teria como destino um suicídio silencioso, dentro de casa, acaba tentado a transformar sua desgraça final num ato grandioso. Uma espécie de autoengano, movido mais pelos problemas internos do sujeito do que por religião ou qualquer coisa que dê para chamar de “causa”.
Esse, enfim, é o maior trunfo do Isis: sua capacidade de prover sentido a vidas tortas e pensamentos torpes, em todos os cantos do mundo.
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O artigo foi atualizado em 28/07/2016.