A grande conspiração dos EUA para roubar a Petrobras. E outros delírios arcaicos.
No último fim de semana vimos que o pessoal do Centro Acadêmico de Letras da USP alega a existência de uma grande conspiração, segundo a qual: 1) Nosso Poder Judiciário está a mando de um certo “Departamento Americano dos Estados Unidos”. 2) Esse “Departamento” usa juízes brasileiros como fantoches com o objetivo de “entregar a […]
No último fim de semana vimos que o pessoal do Centro Acadêmico de Letras da USP alega a existência de uma grande conspiração, segundo a qual:
1) Nosso Poder Judiciário está a mando de um certo “Departamento Americano dos Estados Unidos”.
2) Esse “Departamento” usa juízes brasileiros como fantoches com o objetivo de “entregar a Petrobras para a Shell”.
3) Tudo isso é financiado pelo “dinheiro do trabalhador brasileiro, desviado para pagar juros da dívida externa”, enriquecendo ainda mais os EUA, e retroalimentando a formação de mais juízes fantoches em território americano. Solução: deixar de pagar a dívida, naturalmente.
Enquanto isso, no mundo real:
– Obama cede a pressões de ambientalistas e bane a exploração de petróleo na costa do Atlântico.
– O Model 3, novo carro elétrico da Tesla, recebe 300 mil encomendas e segue firme para se tornar o automóvel mais vendido dos EUA – talvez do mundo, sem jamais usar uma gota de petróleo.
– O preço do barril segue em baixa, quebrando a indústria petroleira dos EUA, que só nos últimos anos, graças ao xisto, tinha aumentado sua produção em 4 milhões de barris por dia (duas Petrobras).
– As quatro maiores empresas do mundo não são petroleiras, nem americanas. São quatro bancos chineses, credores da dívida externa americana.
– A dívida externa do Brasil é de US$ 330 bilhões. A dívida que o resto do mundo tem com o Brasil é de US$ 375 bilhões. Estamos no azul desde o boom das commodities, e somos o quinto maior credor dos EUA. Só eles nos devem US$ 225 bilhões, e pagam os juros bonitinho, como todos os nossos outros devedores.
– O grosso da dívida brasileira é interna. Em real, moeda que, olha só, nós mesmos produzimos. E os credores dessa dívida somos todos nós que temos conta em banco, já que a maior parte do dinheiro dos bancos está aplicada em títulos da dívida pública. Se o governo deixar de pagar essa dívida, o real deixa de existir como moeda. Converte-se em papel colorido com desenhos de gosto duvidoso. E quando você quiser comprar pão, vai ter que dar para o padeiro algo que ele aceite como moeda de troca (talvez um abraço, uma palavra amiga, ou uma nota de dólar).
O mundo real, enfim, é um lugar onde uma Petrobras é um ativo altamente arriscado, que “a Shell” ou qualquer petroleira saudável do mundo não pegaria nem de graça, já que quem pegar “de graça” ganha uma dívida de US$ 120 bilhões (uma Volkswagen inteira) para pagar.
O mundo real é um lugar que está deixando o petróleo para trás.
O mundo real é um lugar onde a maior dívida externa do mundo é a americana
O mundo real é um lugar onde calote é punido com descrédito. E só nos damos ao luxo de ter uma moeda nacional porque ainda existe a crença de que, um dia, o governo tratará sua dívida interna com alguma responsabilidade, e que não vai haver calote, nem que um hipopótamo assuma a presidência.
O mundo real, em suma, é um lugar mais complexo que o das teorias infantilóides. Mas também é um lugar bem mais difícil de entender.
Se você, revolucionário de CA, não quer entender como o mundo realmente funciona, beleza. Só não se meta a tentar ensinar o que você ignora.