Antes de boicotar a Netflix, repare nisto aqui
Preste atenção na parte sobre o "desmembramento" de inquéritos quando assistir a série. E entenda como a falta desse mecanismo gera impunidade.
Existe um elemento fundamental na série do Padilha, e na vida real, que não está na pauta das discussões sobre a série (nem nas da vida real): a questão do “desmembramento de inquérito”, que aparece logo nos primeiros episódios.
Para entender o que é o desmembramento, e qual é a importância desse mecanismo, lembre do caso Aécio. Frederico Pacheco, primo do senador mineiro, foi filmado recebendo malas de dinheiro da JBS, num total de R$ 2 milhões. Aécio foi gravado combinando com Joesley a entrega desse mesmo dinheiro ao primo. Caída a casa, Fred devolveu R$ 1,5 milhão para a justiça, numa mala. E foi preso preventivamente, junto com Andrea Neves, irmã do senador, e que também operava para ele.
Como Aécio tem foro privilegiado, o caso está com o STF, que segue empurrando-o com a barriga há quase um ano.
Não precisava. Bastaria o STF aprovar o “desmembramento” do caso para que Fred e Andrea fossem julgados independentemente, em primeira instância. Foi o que o mesmo STF aprovou em 2015, na Lava Jato. Não houvesse esse decisão lá atrás, toda a podreira de Petrobras, Odebrecht e cia acabaria engavetada até o dia em que não houvesse mais ninguém com foro privilegiado envolvido nas tramóias – ou seja, lá pelo século 28.
Bom, houvesse o desmembramento do caso Aécio, Fred e Andrea seriam rapidamente condenados em primeira e segunda instância (hipótese mais provável, diante da avalanche de provas). Isso pressionaria o STF a julgar Aécio, coisa que em qualquer realidade aceitável teria acontecido há meses.
Mas não. O próprio STF tratou de evitar essa pressão ao não aprovar o desmembramento. Para fechar com chave de ouro, o ministro Marco Aurélio Melo liberou Fred e Andrea da prisão preventiva domiciliar e do uso de tornozeleira. Os dois estão hoje tão livres quanto você, com a diferença de que você nunca viu uma mala de dinheiro.
E não há pressão popular contra tal aberração jurídica. Claro: boa parte de quem pressionaria quer ver o STF agindo justamente assim, como um grande engavetador de encrencas – mesmo se a encrenca já tiver sido reconhecida como crime por diversos juízes de segunda instância (no caso de Lula, por João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus, do TRF da 4a região).
E agora, enquanto o carnaval de impunidade segue firme no STF, há quem brade pela urgência de um boicote à Netflix. É muito heroísmo.