As outras voltas do Guns
A volta da formação original do Guns era um evento tão estatisticamente provável quanto a ressurreição do John Lennon. Mas agora que o John Lennon não volta mesmo, já que o Guns de verdade ressuscitou – toca em abril no Coachella, com Axl, Slash e Duff, que não subiam num palco juntos desde 1993. A […]
A volta da formação original do Guns era um evento tão estatisticamente provável quanto a ressurreição do John Lennon. Mas agora que o John Lennon não volta mesmo, já que o Guns de verdade ressuscitou – toca em abril no Coachella, com Axl, Slash e Duff, que não subiam num palco juntos desde 1993. A guitarra base ainda é uma incógnita, já que o Izzy não confirmou se volta também. A bateria tem dois integrantes “originais” – Steve Adler (que tocou no Appetite e no Lies, os dois primeiros discos da banda) e Matt Sorum (o baterista do terceiro e último ábum para valer, o Use Your Illusion, e que tocou nas turnês mundias dos anos 90). Ninguém sabe quem vai segurar as baquetas, mas qualquer um dois dois está valendo. Seja como for, a separação da banda não foi tão separada assim. Houve algumas mini-reuniões nesses 23 anos. Aqui:
Mini-reunião 1: Axl e Izzy (2012)
Slash e Duff, em suas autobiografias, dizem que a alma da banda não eram eles nem Axl, mas Izzy Stradling, o guitarra-base original, que deixou a banda em 1991. Para entender o papel dele, basta saber o seguinte: um dia ele viu Slash fazendo um exercício de guitarra, que soava como música circense. O som chamou sua atenção. Ele pediu, então, para Slash repetir o exercício. O guitarrista principal não empolgou com a ideia, mas obedeceu. E Izzy foi criando uma base de guitarra para dar corpo à coisa. Foi assim que um exercício de Slash virou Sweet Child o’ Mine. De quebra, ele compôs Patience a segunda música mais popular da banda – depois de Sweet Child. Bom, ele foi o primeiro da formação original a tocar o Guns and Roses do século 21 – que na prática era só uma banda de apoio para Axl. Izzy tocou pela primeira vez nessa versão do Guns em 2006. Nunca (re)entrou de fato na banda, mas deu vários shows como convidado de Axl. Este do vídeo foi em 2012, na Inglaterra. A presença dele na reunião de agora, porém, ainda é incerta. Só Axl, Slash e Duff confirmaram até agora. Sem ele, a “formação original” não vai ser tão original assim.
Mini-reunião 2: Slash, Izzy e Steve Adler (2003)
Steve, o baterista dos dois primeiros discos, foi expulso da banda em 1990 por abuso de drogas. Era o equivalente a alguém ser afastado do grupo do Zeca Pagodinho por abuso de cerveja. Difícil, então, imaginar o quanto ele botava para dentro. Ou nem tanto: em 1985, 1986, quando a maior parte dos integrantes ainda vivia abaixo da linha da pobreza, Steve dizia que tudo o que ele queria da vida era um saco de maconha e uma pedra de crack do tamanho de uma bola de tênis. Quando a banda estourou, ele realizou o desejo, adicionando uma betoneira de heroína à sua Wimbledon de pedras de crack do tamanho de bolas de tênis. Acabou tão prostrado que, quando tinha ensaio, o Slash tinha que buscá-lo em casa com uma carga de cocaína para ver se o baterista acordava. E não adiantava. Acabou que deram um cheque de US$ 1 milhão para ele junto com uma carta de demissão. Matt Sorum, ex-baterista do The Cult, ficou com a vaga de Steve. Daí para frente o rapaz foi gastando seu milhão da única forma que sabia, e em 1996 teve uma overdose seguida por derrame cerebral que deixou parte do seu rosto paralisada para sempre. Mesmo assim, voltou à ativa nos anos 2000 com o Adler’s Appetite, que apesar de ter músicas próprias é basicamente um cover de luxo do Guns dos primeiros álbuns. E no show deste vídeo, gravado em 2003, ela foi bem mais do que uma banda cover, já que Slash e Izzy, os maiores brothers de heroína de Steve nos primeiros anos da banda, tocaram com o amigo. Eram três dos cinco integrantes originais, originais mesmo, no palco, o que não acontecia desde o Pré-Cambriano, já que a última apresentação de Steve com o Guns tinha sido em 1989, num show de abertura para os Stones em que Axl disse para a platéia que acabaria com a banda se Slash, Izzy e o baterista não parassem com a heroína. Demorou, mas, a princípio, todos já tinham parado antes da virada do século, depois de várias temporadas em clínicas de reabilitação, e agora são cinquentões relativamente em forma – o mais detonado hoje, ironicamente, é o Axl mesmo, que continua firme no uísque.
Mini-reunião 3: Axl e Duff (2010)
Duff McKagan, o QI mais alto da banda, decidiu ficar sóbrio em 1994, depois de uma dieta de dez anos à base de vodka e cocaína ter explodido seu pâncreas (literalmente). Dali em diante o baixista virou maratonista, faixa preta de caratê e formou-se em economia pela Universidade de Seattle. Um dia, em 2010, Duff estava em Londres para uma série de reuniões com sócios – iria abrir um fundo internacional de investimentos. Por coincidência acabou se hospedando no mesmo hotel em que Axl estava com sua banda de apoio (a formação não-original do Guns). Fazia pelo menos 15 anos que eles não se viam. Mas resolveram as desavenças com um abraço e saíram para jantar. Axl, então, convidou Duff para assistir o show de seu Guns particular, na O2 Arena. De surpresa, chamou o amigo no palco para tocar duas músicas. Uma delas, a deste vídeo: It´s So Easy, composta pelo próprio Duff em 1985. Deu tão certo que Duff acabou fazendo vários outros shows com Axl – um deles, no Recife. E provavelmente o artífice da reunião de agora é o baixista, que serviu de elo para que Axl e Slash fizessem as pazes.
Mini-reunião 4: todo mundo menos o Axl (2010)
O Guns original terminou por conta de uma briga jurídica. Axl deu um jeito de adquirir sozinho a marca “Guns and Roses”, o que tornava todos os outros membros meros músicos contratados dele. Slash e Duff, que já não suportavam as frescuras de Axl, como atrasar duas horas em quase todos os shows, não engoliram. Largaram a banda e, pouco tempo depois, fundaram outra, o Velvet Revolver, junto com Matt Sorum. Era praticamente o Guns inteiro, mas com Scott Weiland no lugar da prima donna. E mais inteiro ainda no show registrado neste vídeo, já que Izzy juntou-se a Slash, Duff e Matt no palco, completando 80% da melhor formação que o Guns teve. Os 20% que faltaram naquela noite voltam agora em abril. Há 25 anos, quando 100% desse line up tocou no Rock in Rio, eu era muito criança para ter ido. E agora sou velho demais pra me debandar pra um festival (o ancião, o Matusalém, o veterano de Woodstock). Mas se alguém for fechar um bonde para a Califórnia, me avisa.
Bonus Track: Todos juntos, no Rock in Rio, há 25 anos: