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Alexandre Versignassi

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Blog do diretor de redação da SUPER e autor do livro "Crash - Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti.

Como o BNDES alimenta a inflação

Se você levar para casa todo o dinheiro que existe em todas as carteiras, bolsas, caixas registradoras e fundos de gaveta do país, vai terminar com R$ 143 bilhões. Mas se você prefere cartão de débito, beleza: pode transferir o dinheiro de todas as contas correntes do país e, discretamente, depositar na sua. Seu saldo […]

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 20 ago 2024, 11h40 - Publicado em 6 fev 2013, 16h52
A fantástica fábrica de dinheiro


Se você levar para casa todo o dinheiro que existe em todas as carteiras, bolsas, caixas registradoras e fundos de gaveta do país, vai terminar com R$ 143 bilhões. Mas se você prefere cartão de débito, beleza: pode transferir o dinheiro de todas as contas correntes do país e, discretamente, depositar na sua. Seu saldo vai amanhecer em R$ 164 bilhões. Também dá para fazer os dois e acordar R$ 307 bilhões mais rico.

Mas se você é ambicioso mesmo, o negócio é pedir pro BNDES. De 2009 pra cá, o banco estatal emprestou R$ 600 bilhões – média de R$ 150 bilhões por ano, contra R$ 64 bilhões nos quatro anos anteriores; e R$ 35 bilhões nos quatro ante-anteriores. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social virou a grande torneira de dinheiro do país.

Não faz sentido. O papel do BNDES, a princípio, não é esse. É levantar dinheiro a juros baixos,  para empreitadas que cumpram dois critérios:
1 – Ser algo que ajude o país a ir para a frente. Se eu quiser montar um sex-shop, não, talvez eles não entendam como as minhas algemas com popom e calcinhas diet podem ajudar o país a ir para a frente. Aí tenho que tomar empréstimo em outro banco – provavelmente o BNDES diga para eu tomar no…

2 – Pois é. Esse é um banco holandês que teria uns problemas se viesse pra cá… Mas então: o segundo critério é que você, o tomador, seja alguém que não vá ter crédito fácil nos bancos privados. Se você for o Tio Patinhas e pedir financiamento para uma fábrica no BNDES, o ideal é que não role. Se você pode pagar juros de mercado, então que pague. Não venha pedir financiamento subsidiado pelo governo.

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Mas o BNDES não tem levado em conta o critério número dois. Os maiores beneficiários dos empréstimos deles são justamente empresas quaquilionárias: Petrobras, Vale, Grupo EBX (que congrega as empresas de petróleo, mineração, logística, energia, alegoria e adereços do Eike)… Tudo peixe grande. Só para o consórcio de mega-empresas de energia que está construindo Belo Monte, foram R$ 22,5 bilhões (80% do que a hidrelétrica vai custar).

Existem várias justificativas: a Petrobras precisa um zilhão pra furar o Pré-sal, o porto do Eike deve ajudar a destravar nossa logística, sem Belo Monte podemos ficar no escuro. Ok. Tudo certo. O problema é que o dinheiro do BNDES não é inócuo. Ele tem um efeito colateral indigesto: deixa a gente mais pobre.

Esses empréstimos atrapalham o que os economistas chamam de “política econômica” – o controle que o governo tem sobre a quantidade de dinheiro que circula no país. Se houver dinheiro de menos, é recessão. Se tiver demais, é inflação. A meta é injetar ou tirar dinheiro de circulação de modo que não aconteça nem uma coisa nem a outra. Acertar na mosca é impossível, então o governo estabelece “metas de inflação”, já que é melhor um pouco de inflação do que um pouco de recessão.

A meta do Brasil, hoje, então, é uma banda entre 2,5% e 6,5% ao ano. Baixou de 2,5%, toca colocar dinheiro novo em circulação. Passou disso, a ordem é sugar grana da praça.

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Controlar esse tira-e-põe de dinheiro novo não é tão simples. Funciona mais ou menos como dirigir um F-1 na chuva: que dá, dá, mas qualquer escorregada pode te tirar da pista. Uma escorregada, no caso, pode ser criar mais dinheiro novo do que a economia dá conta. Tipo: se a mulherada toda do bairro passar a ter o dobro de dinheiro na mão da noite para o dia, o salão de cabeleireiro vai amanhecer cobrando o dobro. Natural. Na prática, então, o dinheiro perde valor.

Mas se a injeção for gota-a-gota, a coisa muda de figura. Dá tempo para que o dinheiro estimule a criação de mais um salão no bairro. E quando houver mesmo o dobro de dinheiro nas mãos de todo mundo, também vai ter o dobro dos serviços – e o dobro dos empregos. É assim que uma economia cresce. E o Brasil usa injeções de dinheiro novo para crescer, igual qualquer país faz. Só que o BNDES está atrapalhando as coisas: ele coloca dinheiro novo na economia por conta própria.

Por causa do seguinte: o Tesouro Nacional segura as pontas do BNDES quando o cinto dele aperta. Quando quem fica sem grana é o próprio Tesouro, o Banco Central ajuda. E o Banco Central é o Mestre dos Magos do sistema financeiro. Seu poder de criar moeda é ilimitado.

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Só entre 2010 e 2011, nosso Mestre dos Bancos ligou suas impressoras de dinheiro e fabricou R$ 320 bilhões para o Tesouro. Uma fatia gorda desses bilhões foi direto para o BNDES. E de lá fluiu para Petrobras, Vale… O Eike já disse que “O BNDES é o melhor banco do mundo”. É mesmo: ser um banco que não precisa de cliente para levantar dinheiro é como ser uma pessoa que não precisa trabalhar pra ganhar salário. Também quero.

Nos anos 70 e 80, o Banco do Brasil era parecido. Pior, na verdade: ele tinha o direito de imprimir moeda por conta própria, sem dar satisfação para o Mestre dos Bancos, e sair emprestando – o nome técnico desse mecanismo era “conta movimento”.

O dinheiro novo do Banco do Brasil foi para a construção de hidrelétricas, estádios, estradas… Até que deu certo: a impressão desenfreada de papel colorido levantou coisas concretas, empregou gente, fez girar a roda da economia. O problema é que exageram na dose. E o resultado foi a maior inflação da nossa história.

Isso de um megabanco produzindo dinheiro à vontade complicou tudo. O governo perdeu o poder que tinha sobre a quantidade de moeda em circulação – e, por consequência, sobre a economia. Quando o Estado perde esse controle, ele deixa de ser digno desse nome. Agora, com o BNDES, estaria acontecendo algo parecido. “É a pura volta da conta-movimento”, escreveu Maílson da Nóbrega.

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Aí é aquela história: o dinheiro novo acaba caindo na praça rápido demais, e não aí não tem quem segure. Como isso acontece? Via salários, por exemplo. Um terço dos diretores de empresa do país ganham mais de R$ 1 milhão por ano. Novas empreitadas = novos executivos. Aquele dinheiro novo do BNDES, então, acaba virando apartamento no Leblon. E alimentando outro desenvolvimento:  o da bolha imobiliária. Um desenvolvimento que não tem nada de econômico. Muito menos de social.

E isso é o de menos. O problema é que a economia toda acaba contaminada. Em 2011, o “saldo médio” de todas as contas correntes do país, mais o dinheiro de papel em circulação, dava R$ 256 bilhões. Em 2012, foram R$ 270 bilhões. E agora estamos na faixa dos R$ 300 bi.

Enquanto isso, o PIB só cresceu em 1% e a produção industrial estagnou. Com mais dinheiro circulando e produção empacada, não deu outra: inflação oficial roçando nos 7% ao ano. E agora, com o estrago feito, o governo federal vem tentar segurar a inflação pedindo pra prefeito segurar aumento na passagem do ônibus. É como se você tentasse resolver problemas no orçamento doméstico pedindo pra sua família pular a roleta do metrô até o fim do mês. Faz tempo que não se vê uma gestão tão atrapalhada. Agora é torcer para o F-1 da economia não bater tão forte no muro. Porque sair da pista ele já saiu.

 

Atualização: entre as operações mais polêmicas do BNDES estão a injeção de R$ 6 bilhões na JBS e na Marfrig (3,5 na primeira, 2,5 na segunda). Os frigoríficos usaram o dinheiro para comprar empresas americanas – o que gerou  “desenvolvimento” nos EUA, não aqui. Outra nessa linha é o empréstimo de R$ 1,3 bilhão para a Odebrecht construir o porto Mariel, em Cuba. Uma obra que, segundo Dilma, será “um sistema logístico de exportação de bens produzidos em Cuba”. Então tá. Bom para os cubanos, ótimo para a Odebrecht e péssimo para nós, já que força mais emissão de moeda para financiar o BNDES. Esses dois casos servem melhor como exemplos de má gestão do que o Pré-sal e Belo Monte, que eu citei aqui. São projetos com acesso realmente difícil ao crédito privado – independentemente da saúde financeira das empresas que estão por trás deles. Em casos assim, é natural justificar a necessidade de financiamento público. Nos da JBS, da Marfrig e da Odebrecht em Cuba, não.

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