Dois jeitos de ver o mundo. E a única forma de dar um jeito nele
Você pode acreditar que a fonte de todo o mal está na natureza humana, ou que somos intrinsecamente bons. Tanto faz. Porque só há uma forma de progredir.
As pessoas metidas a pensantes, tipo eu, se dividem em dois grupos: os que acham que você nasce gente boa e os que acham que você nasce um traste.
O primeiro grupo acha que o “estado selvagem” é puro, que quem traz os problemas todas da vida, do Universo e de tudo o mais é a civilização, a cultura, ou seja lá o nome que você queira dar para “estado não-selvagem”. O outro grupo imagina o oposto. Vê o estado selvagem como torpe, egoísta, escroto. E a civilização (ou seja lá o nome que você queira dar) como a fonte das soluções.
O grupo da boa selvageria, entende que você precisa “desconstruir” dentro de você a cultura ruim na qual está inserido, e deixar aflorar o que tem de bonito aí dentro. O grupo 2 acredita que a sua parte ruim, que sente prazer com malvadezas, nasceu com você, e que a grande função das culturas humanas é mitigar esse instinto fdp.
Boa parte dos neurocientistas, biólogos, físicos e congêneres faz parte do grupo 2. Uma parcela substancial dos cientistas sociais, filósofos e educadores profissionais ficam no grupo 1.
E não, não existe uma possibilidade real de consenso – se você acha que é “metade cultura, metade natureza”, você está no grupo 1. No clube do grupo 2 só entra quem for 99% natureza.
E esse é o meu clube. Acho que a boa selvageria é um mito, que a tábula rasa (a ideia de que humanos praticamente não têm instintos, que tudo é “ensinado”) não faz sentido.
Pra mim, todos nascemos com impulsos egocêntricos, assassinos, torturadores, e também com pendores altruístas, carinhosos, caridosos. Acho, inclusive, que todas as culturas humanas pendem para o altruísmo (seja a cultura humana da Suécia, a do Estado Islâmico ou a dos presídios estaduais do Rio de Janeiro). Mas que cada uma, em diferentes graus, ainda valoriza algo dos nossos instintos torturadores (inclusive a da Suécia – como tem mostrado o noticiário sobre o Nobel de Literatura).
A saída, então, é seguir desenvolvendo uma cultura humana mais altruísta, inclusiva, empática. Meu único ponto é que não chamo isso de “desconstruir” nada nem ninguém, já que não acredito na existência de um estado selvagem bom. Chamo isso de “construir” mesmo.
Mas não importa como eu ou você chame a coisa. Se você é do pessoal da tábula rasa, significa que discordamos filosoficamente – e etimologicamente. Só que o nosso objetivo é o mesmo. Milimetricamente o mesmo. O resto a gente deixa para discutir no bar.