Juro de 400% no cartão: não tem preço
Bateu crise, bateu juro alto. Mas o caso dos juros do cartão rotativo no Brasil atravessa as fronteiras da realidade. Em 2012, com a Selic minúscula, na casa dos 7%, nossos bancos cobravam em média 200%. Hoje, com a Selic em 14,25%, os juros médios do cartão dobraram também, para quase 400% – e isso […]
Bateu crise, bateu juro alto. Mas o caso dos juros do cartão rotativo no Brasil atravessa as fronteiras da realidade. Em 2012, com a Selic minúscula, na casa dos 7%, nossos bancos cobravam em média 200%. Hoje, com a Selic em 14,25%, os juros médios do cartão dobraram também, para quase 400% – e isso é a média, porque tem cartão que cobra mais de 700%.
Não faltam justificativas para essa distorção toda: inadimplência, falta de confiança na política, a chuva, os 50 km/h de velocidade máxima na Marginal. Mas prefiro levar uma só em conta: esse juro de agiota existe porque a gente deixa existir. De cabeça baixa.
A crise tá feia? Tá. Mas na Venezuela e na Argentina está pior. As duas já atravessaram o horizonte de eventos do buraco negro das agências de risco, e ainda assim os bancos instalados ali cobram uma fração dos juros praticados pelos que estão aqui. Até por isso, como observou o jornalista Maurício Horta numa matéria aqui da SUPER, três das quatro empresas de capital aberto mais lucrativas da América Latina são bancos brasileiros: Itaú (7,6 bilhões em 2014), Bradesco (US$ 5,6 bilhões) e Banco do Brasil (US$ 4,2 bilhões).
É. Para quem cobra 400% de juros por ano não existe crise. Até porque demanda por agiotagem tem em qualquer lugar, seja aqui seja na Dinamarca. A diferença é que, nesse caso específico, estamos diante de uma agiotagem legalizada. Os bancos estimulam os clientes a entrar no rotativo – mostrando em letras grandes e negritadas na fatura o valor do pagamento mínimo; e quando você faz só pagamento mínimo, já entra nesse carrossel dos 400% ao ano. Pior. Imagina um cara que acabou de perder o emprego. Ele é quem mais tende a cair na tentação de pagar só uma parte da fatura. Se o sujeito não ler as letras miúdas da fatura, não vai saber que está pagando esse tanto de juros. E se alguém quisesse que ele soubesse, essa informação estaria em letras mais bem nutridas. Logo, quanto mais crise, maior a demanda por esses juros de agiota. E quando o cara que perdeu o emprego não pude pagar seus juros de 400%, o perpetrador da agiotagem nem precisa contratar um capanga para fazer a cobrança- ele já conta com a lei. É o Estado protegendo uma prática que, como você vê na tabela ali em cima, já foi devidamente banida na maior parte do mundo.
Durmamos com isso. E que um dia a gente acorde.