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Alexandre Versignassi

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Blog do diretor de redação da SUPER e autor do livro "Crash - Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti.

Leis contra o trabalho escravo no campo não são “ativismo jurídico”

Bolsonaro propõe afrouxar as leis contra o trabalho análogo à escravidão. Entenda a estratégia que pode estar por trás disso.

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 15h33 - Publicado em 10 out 2018, 16h40

Bolsonaro não vai aceitar indicações de partidos para ministérios. Parece suicídio político. Não é. Ele só encontrou outra forma de comercializar apoio. Bem mais eficiente.

Ele não negocia com partidos, mas com as bancadas suprapartidárias – bem maiores e mais relevantes que qualquer partido. Tanto que Bolsonaro fechou com a bancada ruralista, que hoje reúne mais da metade da Câmara (262 deputados).

Eles prometem seus votos às medidas do eventual presidente, e ele, em troca, trabalha como cão de guarda das causas ruralistas.

Numa entrevista à Jovem Pan na segunda-feira, ele advogou por uma dessas causas: o afrouxamento das leis contra o trabalho escravo.

Um trecho: “Em cima do ativismo judicial, muitos entendem que o trabalho análogo à escravidão é trabalho escravo, e partem para a expropriação de imóveis.”

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O jornalista Piero Locatelli escreveu sobre isso no Intercept: “O crime previsto no Código Penal é de redução de alguém à “condição análoga à de escravo”. Por que “análoga”? Porque desde 13 de maio de 1888, o Estado não permite a propriedade de uma pessoa por outra. O crime, portanto, é o da condição semelhante à de escravo.”

Na entrevista, Bolsonaro cita o seguinte caso como exemplo de injustiça contra o produtor rural:

“Na sua propriedade, tem uma senhora de trinta anos, que está com máscaras, luva, roupa e bota, e está pulverizando uma plantação de alface para combater pulgão. Chega o Ministério Público do Trabalho, faz um teste de gravidez dela, e nem ela sabia que tava grávida. Vai que tá grávida? Então, em cima do ativismo judicial, [fazem um] processo para expropriar o imóvel. Isso não pode continuar acontecendo.”

Não pode mesmo. Só tem um detalhe: isso não está acontecendo. A situação acima não denota trabalho análogo à escravidão, mas uma infração trabalhista – jamais punível com expropriação do imóvel.

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A fala de Bolsonaro foi digna de um lobista, um sujeito que representa os interesses de um setor, não de um Presidente da República. E é agindo como lobista que ele pretende ter apoio do Congresso.

Como estratégia política é genial – e menos tosca do que pagar mesada para deputado com dinheiro de empreiteira. Mas trata-se de mais uma forma de burlar o sistema, e ludibriar a população, em troca de poder.

E mais importante: leis contra o trabalho análogo à escravidão, como Piero mostra, não são “ativismo jurídico”. São uma conquista de toda a sociedade. Um avanço fundamental em um país coronelista como o nosso. E não há ambição política ou ideologia que torne defensável a ideia de tirar direitos básicos de quem não tem nada.

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Nota do autor: acho necessário deixar claros alguns pontos de vista pessoais. Posts negativos a Bolsonaro, como este, não são uma campanha a favor de seu adversário neste segundo turno. Pessoalmente (e este é um blog pessoal), não tenho simpatia pelo projeto petista. Considero irresponsável, por exemplo, a proposta de fim do teto nos gastos públicos,defendida por Haddad, Acho que ela minaria a confiança na capacidade de solvência do governo.

Também não vejo com bons olhos a ideia de dar um salvo conduto à corrupção do partido, e não entendo a condenação de Lula como um ato político, mas como um ato jurídico. Em segunda instância. Inapelável.

Além disso, meu ponto de vista econômico é alinhado ao da escola liberal. Sou autor de livro de economia, e meu guru na área é Milton Friedman (que foi professor de Paulo Guedes). Minha simpatia com o liberalismo, porém, não se traduz em apoio a Bolsonaro. Temos discordâncias profundas sobre ditadura militar, casamento gay, feminismo, violência policial, porte de armas e até religiosidade (citar a palavra “deus” numa campanha eleitoral me parece algo primitivo).

Mesmo assim, busco analisar as ideias do candidato sem filtros de ojeriza. Chamá-lo de “fascista” a cada declaração é algo tão acéfalo quanto tecer loas a torturador no microfone do Congresso. Não leva a nada, só a a mais ódio. 

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Mas há um aura mitológica em torno de Bolsonaro que não existe em torno de Haddad, ou mesmo de Lula. E mitos, para um jornalista cético, só existem para ser desmistificados. Esta é a razão de ser de posts como este. Bolsonaro se vende como um rebelde contra o stabilishment político, ao mesmo tempo em que passa a defender temas caros à bancada ruralista sem se importar com a verdade dos fatos.

Você, leitor, está livre pra discordar. Minha proposta aqui não é doutrinar. É debater. E, de certa forma, celebrar a liberdade que temos para debater. Bom voto no dia 28 de outubro. E boa sorte para todos nós, independentemente da pessoa para quem você pretende dar seu voto.

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