Não Gosta de Crise? Tem Quem Goste
Taí o maior erro de quem não conhece o mercado financeiro: achar que ninguém gosta de crise. Quando o Ibovespa toma mais um tombo e o Carlos Alberto Sardenberg fala que o dia foi de “mau humor no mercado”, a gente imagina corretor de cara fechada e investidor amarrando uma gravata na outra para ver […]
Taí o maior erro de quem não conhece o mercado financeiro: achar que ninguém gosta de crise. Quando o Ibovespa toma mais um tombo e o Carlos Alberto Sardenberg fala que o dia foi de “mau humor no mercado”, a gente imagina corretor de cara fechada e investidor amarrando uma gravata na outra para ver se serve como forca. Isso até acontece, mas o ecossistema das crises tem uma biodiversidade bem maior: uma parte considerável da fauna financeira é especializada em fazer dinheiro justamente nos momentos de baixa generalizada. Quanto maior o caos, mais o sorriso deles se abre.
Michael Lewis, um autor que já trabalhou em banco de investimento, sabe bem disso. E quando fez um livro sobre o maior apocalipse financeiro desta geração, o crash de 2008, decidiu contar a história justamente do ponto de vista de quem ganhou com a crise. Ele foi atrás de quem ficou bilionário com o colapso dos títulos imobiliários nos EUA. Achou uma dúzia desses investidores e contou a história deles em A Jogada do Século. O livro, de 2011, virou best seller, e o filme baseado nele (o A Grande Aposta) acabou indicado ao Oscar cinco anos depois.
No Brasil, o livro e o filme saíram com títulos diferentes. Lá fora, não rolou essa confusão. Tanto a obra em papel quanto a em película têm o mesmo nome: “The Big Short”.
O título original é uma referência justamente ao mecanismo financeiro que você deve usar quando quer ganhar na baixa: o “short sale”. “Venda a descoberto”, em português.
“Vender a descoberto” é o seguinte: eu tenho um milhão de ações da Petrobras e acredito que o preço delas vai subir. Você não tem ação nenhuma e tem certeza de que elas vão cair. Vamos dizer que cada ação da Petro esteja a R$ 5 hoje. Aí você vem e me faz uma proposta: “Alê, meu, vou te vender mais um milhão de ações da Petro. Mas você é meu brother. Então te vendo por R$ 4. Beleza?”. “Uhú!”, eu digo.
E você só me pede uma única: que essa venda aconteça daqui a três meses. Como eu acredito que as ações vão ter subido lá na frente, fecho o acordo de olho fechado. Te pago uma cerveja até, pô. Vou comprar por R$ 4 uma coisa que já vai estar valendo uns R$ 10. Negocião.
O tempo passa e o que acontece? Putz. A ação da Petrobras derreteu. Está valendo R$ 1. E eu fiz a besteira de assinar com você um contrato me comprometendo a comprar um milhão delas a R$ 4. Tenho que cumprir, se não vou para a cadeia.
Não se esqueça: você não tinha nenhuma ação quando me propôs a venda. O que você faz, então? Pega dinheiro emprestado no banco e compra um milhão de ações a R$ 1. Então me vende imediatamente a R$ 4, e sai da operação R$ 3 milhões mais rico. Você acabou de lucrar com uma “venda a descoberto”. Você me vendeu algo que não tinha, por um preço que eu mesmo achava vantajoso.
Parece ficção, mas isso acontece todos os dias no mercado financeiro. O colapso das empresas do Eike Batista, por exemplo, transformou muito investidor pequeno em milionário. As quedas recentes da Petrobras e da Vale também. Lá atrás, na crise de 2008, alguns especuladores de sangue frio fizeram exatamente esse movimento. Não com ações, mas com títulos hipotecários. Não importa: dá exatamente na mesma. E é o que Michel Lewis conta em The Big Short, um livro que, ironicamente, nasceu como uma aposta editorial arriscada, dada a aridez do tema. Mas que acabou se mostrando um belo investimento para o próprio Michael Lewis. Sem crise.
———————
Este texto foi publicado originalmente na Ilustrada.