O instinto religioso por trás do radicalismo da esquerda e da direita
A origem das cartilhas ideológicas pode estar num cérebro moldado para o fanatismo
Uma das teorias mais elegantes sobre religião é que diz o seguinte: nosso cérebro seria moldado para acreditar em um ente superior. Um ente com quem você pode fazer barganhas e, nas emergências, pedir para que ele mude o curso do Universo para te favorecer – o avião está caindo, você pede para que ele deixe de cair; o adversário vai bater o pênalti e você pede para que o ente superior desvie o curso da bola.
É do jogo. Nosso cérebro vê rostos em tomadas e sorrisos em dois pontos seguidos de um sinal de parênteses 🙂
Natural, então, que ele entenda que o mundo, o universo, tenha um cérebro também, uma espécie de “consciência” com a qual dá para a gente se comunicar – nem que seja só quando o avião está caindo.
Mas tem outro ponto nessa história. Como bons animais sociais, também somos programados para acreditar no ente superior que o resto do seu grupo acredita.
A vida racional, de qualquer forma, tem tirado o protagonismo das entidades sobrenaturais, pelo menos entre alguns . Não é simples acreditar que o filho de Deus em pessoa nasceu no Oriente Médio do século 1, 300 mil anos depois do estabelecimento do Homo sapiens; ou que o mundo surgiu há 6 mil anos – 64 milhões de anos depois do fim dos dinossauros e 4,5 bilhões de anos depois do nascimento do Sol. Ou que Maomé voou de Meca até Jerusalém em uma hora 1.400 anos antes da invenção da classe executiva.
Mas não há racionalidade capaz de massacrar o instinto religioso. Principalmente a parte de acreditar no que o grupo acredita. Não que os grupos puramente religiosos estejam em decadância – papa Francisco, Crivella e os aiatolás seguem comandando suas massas.
Meu ponto é que esse fervor também existe em quem não leva o sobrenatural a sério. E acho que é esse fervor que explica os “combos ideológicos” – os pacotes completos da direita ou da esquerda. Espera-se que, se você gosta de livre mercado, também torça o nariz para arte moderna. Espera-se que, se você for contra a Reforma da Previdência, também seja a favor do Maduro.
A única explicação racional para esses absurdos é a transposição do instinto religioso para a vida laica. É do cérebro moldado para acreditar em um ente supremo que viria o conceito dos pacotes completos. Se você acredita em Jesus também precisa acreditar em Moisés; se acredita que o Alcorão foi ditado por Deus, precisa acreditar que Maomé voava. Não existe espaço para meio termo. Na vida laica, pelo que temos visto, também não. Ou você se junta a um grupo, e segue a cartilha completa, ou está morto.