Por que tudo custa mais caro no Brasil
Carro é esse aí em cima, não é aquilo que eu tenho lá em casa. Só apresentando: Ferrari 458 Spider, leitor. Leitor, Ferrari 458 Spider – o carro de 2 milhões de reais. Bom, isso é o que ela custa no Brasil. Lá fora é diferente. Que os preços são bem melhores no exterior todo […]
Carro é esse aí em cima, não é aquilo que eu tenho lá em casa. Só apresentando: Ferrari 458 Spider, leitor. Leitor, Ferrari 458 Spider – o carro de 2 milhões de reais. Bom, isso é o que ela custa no Brasil. Lá fora é diferente. Que os preços são bem melhores no exterior todo mundo sabe. Até o meu amigo João Lucas. Pro João, meia dúzia de camisetas do AC/DC já é algo que dá pra chamar de guarda-roupa completo – mais do que isso é frescura. Aí ele foi fazer um curso no Texas e acabou comprando mais roupa nova do que a Imelda Marcos comprava de sapato. O João não acreditava que camisas, calças e tênis pudessem custar tão pouco. Você conhece histórias parecidas, eu sei.
Agora, se praticamente não faz mais sentido comprar roupa, maquiagem ou carrinho de bebê no Brasil, como fica então o caso da Ferrari aí em cima? Fica assim: com o dinheiro que ela vale aqui, dá para comprar um apartamento em Nova York, um helicóptero, mais uma Ferrari. Sério: o apto, o helicóptero e, de troco, a 458 Spider em pessoa.
A bichinha custa R$ 510 mil nos EUA, contra precisamente R$ 1.950.000 no Brasil. Bom, este apartamento, no bairro do Queens, está a venda por R$ 710 mil. Este helicóptero, com ar-condicionado e banco de couro, sai por R$ 670 mil. E nem é a pechincha do século: qualquer helicóptero semi-novo dessa marca custa nessa faixa lá fora. Somando tudo, dá só R$ 1.890.000. Ou seja: ainda sobram R$ 60 mil de chorinho… Oê! Quem quer dinheiro?!
O governo. O governo quer dinheiro. E cobra impostos nórdicos para isso. Por isso mesmo a culpa pelos preços altos no Brasil geralmente acaba no colo dos impostos. Faz sentido? Vamos ver: nosso imposto de importação é um assalto perto do dos EUA. Lá é de 2,5%. Aqui, 35%. Como a Ferrari é importada tanto aqui como lá, só isso já começa a dar diferença. Bom, depois que o carro entra no Brasil vem aquele corredor polonês de impostos: 55% de IPI, 25% de ICMS, 9% de PIS/Cofins, 5% de INSS, X% pra Nossa Senhora de Aparecida… Sai de baixo.
Mas não. Eles não são tão vilões assim. Mesmo depois de passar pelo banho de tributos ele sai custando um pouco mais que o dobro do que nos países com impostos menos escorchantes – não quatro vezes mais.
Então o que justifica os R$ 1.950.000? Bom, às vezes tamanho é documento… Tem a diferença no volume de vendas. Os americanos compraram 1.958 Ferraris em 2011. Os brasileiros, 64. Aí é comparar atacado com varejo. Claro que uma Ferrari vai ser mais barata em Los Angeles do que em São Paulo: lá fora o dono da concessionária lucra na quantidade. Aqui tem que embutir mais lucro em cada carro pro negócio valer a pena. Não tem jeito.
Mesmo assim, ainda fica difícil justificar os quase R$ 1,5 milhão de diferença. Mas vem cá: quem precisa justificar? As coisas valem o que as pessoas estão dispostas a pagar. Nos EUA e na Europa, estão dispostos a pagar na faixa de R$ 500 mil pela Spider. Na China, R$ 1 milhão. Aqui, R$ 2 milhões. É do jogo. Mas e aí? Faz sentido pagar tanto num carro? Isso é outra conversa. E se você não tem 2 milhões sobrando, não precisa dormir com esse problema.
Só que vale lembrar: comprar coisa cara não é crime de lesa-sociedade. Os milhões do sujeito não se desintegram se ele gastar tudo num carro em vez de doar pro Criança Esperança. Se o dono da concessionária usar o lucro para abrir uma rede de esfiharias, vai dar emprego pra um monte de gente, certo? E vai matar a minha fome também. Então beleza. Valeu.
O problema mesmo nessa história é que a realidade do mercado de luxo hardcore se reflete aqui no andar de baixo. No México, por exemplo, o Honda City é um carro importado. Não do Japão, mas de Sumaré, uma cidade da região de Campinas, SP, onde tem uma fábrica da Honda.
O City sai de Sumaré, vai para o porto de Santos, navega 8 mil km num contêiner e chega às concessionárias mexicanas custando R$ 33.500. Aqui, o mesmo carro, da mesma fábrica, custa R$ 53.600. Aí só afogando as mágoas.
Sim os impostos no México são menores. Mas nem tão menores. Lá, 20% do preço total de um carro são impostos. Aqui é entre 30% e 40%. Não explica os R$ 20 mil de diferença.
A explicação está na resposta para esta pergunta: você pagaria R$ 6 mil numa geladeira? Uma família de classe média até tem como pagar R$ 6 mil numa geladeira – nem que seja financiando e parcelando a perder de vista. Mas não. Não paga. As pessoas acham R$ 6 mil demais para uma geladeira. Mas com carros tudo muda de figura. O brasileiro típico ainda acha normal hipotecar a vida num carro. E com a subida na renda média nos últimos anos, R$ 50 mil, R$ 60 mil já parecem um preço ok por um carro razoável. Mas não. Isso é preço de Mercedes lá fora.
Também não adianta por a culpa no volume de vendas, que justifica parte do preço pornográfico dos carros de luxo. O Brasil já é o quarto maior mercado de automóveis no mundo, atrás só dos EUA, da China e do Japão. Acabou de passar a Alemanha. O problema é que, no quesito bom-senso, ainda estamos na parte debaixo do ranking. Noção de valor é o que eles têm lá fora, não isso que temos aqui em casa.
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