Precisa mesmo mostrar a cara do atirador de Orlando o tempo todo?
Do ponto de vista de quem edita notícias, precisa. As pessoas querem ver a cara do matador. Vai fazer o quê? Fingir que o cara não existe? Mas espera um pouco. Ontem mesmo na TV um apresentador falava do sofrimento dos parentes e dos amigos das vítimas. O repórter abraçava um rapaz que, às lágrimas, […]
Do ponto de vista de quem edita notícias, precisa. As pessoas querem ver a cara do matador. Vai fazer o quê? Fingir que o cara não existe?
Mas espera um pouco.
Ontem mesmo na TV um apresentador falava do sofrimento dos parentes e dos amigos das vítimas. O repórter abraçava um rapaz que, às lágrimas, dizia não ter notícias de um amigo desde a noite da chacina. Aí, enquanto o áudio segue, vem uma torrente de selfies do atirador. As mesmas selfies que aparecem o tempo todo no noticiário desde o começo da semana.
Precisa disso? Claro que não. A informação sobre o rosto do assassino já era conhecida. Nada justificava mostrar um álbum todo do indivíduo. Exposição post mortem é tudo o que esses caras desejam antes de cometer o que cometem. Transformar todo e qualquer terrorista de merda num rosto conhecido mundialmente só ajuda a trazer cada vez mais malucos para esse bonde.
Não estou pedindo censura. Se tiver relevância mostrar a cara de um desses sujeitos, ok. Mostra. Mas não é o que está acontecendo. Na Folha de hoje, por exemplo, uma foto do atirador ilustra um artigo sobre a feira de armas de Jacksonville, na mesma Flórida onde aconteceu a chacina. Aqui:
Bom, qualquer foto de arquivo de qualquer feira de armas ilustraria melhor o (ótimo) artigo que um catzo de uma selfie do artrópode em questão fazendo bico – uma selfie da mesma série que está todo mundo reproduzindo o tempo todo (e que eu mesmo só tinha como colocar aqui com um “x” na cara do boçal).
No fim, acho que não faria mal alguma espécie de acordo entre meios de comunicação para não mostrar a cara desses sujeitos. Pelo menos não TANTO.
Porque isso, de novo, só reforça para alguns milhões de acéfalos que cometer assassinato em massa é um jeito eficaz de sair de uma vida medíocre e entrar para a história. Pior: isso também joga gasolina no ódio contra qualquer um que nasceu com traços faciais que remetam a etnias do Oriente Médio – tipo eu mais uns dois bilhões de indivíduos.
E se nada disso for motivo para parar de mostrar as poses que esse entulho humano fazia para o celular, beleza. Vamos parar, então, por respeito aos amigos e parentes das vítimas; e, lógico, por consideração a todos os que de alguma forma se sentiram tocados pelo episódio – todo mundo, basicamente.
Já deu. Que a imagem desse cara volte para o limbo, de onde nunca deveria ter saído. E de onde, para todos os efeitos, jamais saiu.
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PS: a versão online do artigo da Folha sobre a feira de Jacksonville, assinado pelo Álvaro Pereira Júnior, está ilustrada justamente com imagens de arquivo de outras feiras de armas nos EUA. Aí sim.