Quando a desobediência cilvil se torna um dever cívico
O caso das escolas ocupadas lembra um pouco o dos países de economia planificada. Mas não do jeito que você pode estar pensando. Cuba e Coreia do Norte, para ficar nos dois exemplos mais óbvios, são lugares onde obedecer cegamente a lei é um hábito que pode ter efeitos colaterais graves. Por isso mesmo, boa […]
O caso das escolas ocupadas lembra um pouco o dos países de economia planificada. Mas não do jeito que você pode estar pensando.
Cuba e Coreia do Norte, para ficar nos dois exemplos mais óbvios, são lugares onde obedecer cegamente a lei é um hábito que pode ter efeitos colaterais graves.
Por isso mesmo, boa parte da população nesses lugares não obedece. O comércio é controlado com rédea curta pelo Estado. Você não pode abrir um negócio que não faça parte da lista, bem restrita, de atividades comerciais legalizadas. Mesmo assim, cubanos e norte-coreanos operam mercados negros vibrantes. E esses mercados são fundamentais para manter a população alimentada e vestida. Se todos respeitassem a lei nesses países, restringido-se a fazer só o que o Estado lhes determina, teriam morrido de fome. Sem desobediência civil, esses países já teriam decaído para a selvageria.
Mas o que o livre mercado tem de competente para prover comida, tecnologia e diversão, ele tem de inepto para erguer outro pilar civilizatório: a educação universal. O livre mercado é exímio em criar centros de excelência de ensino – as escolas particulares de primeira linha das grandes capitais estão de prova. Mas ensino básico nunca foi um bom negócio.
Talvez pelo mesmo motivo pelo qual a pediatria nunca foi um grande negócio. Os médicos pediatras reclamam por ter um padrão de vida bem inferior ao de seus colegas cirurgiões plásticos. Os pais, afinal, tendem a gastar mais com a própria beleza do que com a saúde de suas crianças. A caxumba do bacorinho vai pelo plano de saúde, as próteses de silicone da mamãe e os implantes de fios do papai, não.
Se faltam consumidores até para bons pediatras, imagine para bons professores. Nisso, o ensino de primeira linha se tornou um artigo de luxo. Quem paga R$ 3 mil numa mensalidade de ensino fundamental tende a ser só quem não olha para a coluna dos preços quando abre o cardápio do restaurante. Claro que há exceções – mas são casos tão brilhantes de abnegação paternal que a admiração que eles despertam só confirma a regra.
Por essas, 92% das crianças nos EUA estudam em escola pública, segundo dados do Banco Mundial. E não estamos falando e um país famélico, muito menos socialista. Até no Brasil a porcentagem de crianças sob os cuidados educacionais do Estado é menor: 84%.
De qualquer forma, estamos no brasilzão – e mesmo que todos os pais daqui fossem campeões mundiais de altruísmo, não surgiria um mercado vibrante de educação fundamental: quase todos esses pais seguiriam sem condições de pagar por educação de primeira linha para os seus rebentos.
E o que sobra para a maioria, no fim, é o Esquema Vampeta de Educação: a escola finge que ensina, o aluno finge que aprende, e bola pra frente. Até que 30 anos depois os potenciais Shopenhauers das escolas públicas e das particulares charlatonas estejam limpando as piscinas do pessoal dos colégios de 3 paus por mês.
Por tudo isso acho bem vinda a desobediência civil entre os alunos das escolas públicas. Sim, eles mal sabem contra o que protestam. A reforma do ensino médio, que tinha o mesmo texto de agora sob o governo Dilma, era celebrada pelas organizações estudantis – posto que vinha de um governo amigo. Agora, sancionada de sopetão pelo governo inimigo, virou obra de Satanás. Eles também são contra a PEC 241, ao mesmo tempo em que não nem fazem ideia de como a Proposta de Emenda Constitucional pode realmente impactar a educação pública. Por outro lado, o primeiro escalão do Ministério da Fazenda também não sabe quais serão as consequências da PEC – nem para a educação nem para nenhuma outra área. Trata-se de uma aposta macroeconômica, não de um modelo testado e aprovado severamente em outros países. Também não há dúvida de que os pequenos líderes das ocupações não fazem muito mais do que repetir jargões do século 19 que seus professores-vampetas fingiram lhes ensinar. Mas nem tudo nas ocupações é militância fossilizada. Lá no meio também temos Anas Júlias Ribeiros, capazes de reconhecer as próprias limitações de retórica sem que isso signifique aceitar de cabeça baixa o ensino porco que o Estado lhes impõe. Não acho que acabar com a PEC vá ajudar nisso. Mas respeito que Ana Júlia e seus colegas achem isso. Eles têm tanto direito a opinião quanto qualquer adulto. Sem falar que uma cabeça pensante de 16 anos vale mais que um cérebro acabrestado de 30, 40.
Se eu mesmo estivesse ocupando uma escola, faria um pedido mais razoável do que acabar com a PEC: reivindicaria tirar a educação do pacote. E que o governo fizesse como o mercado faz. No mercado, investimento não entra no balanço como um gasto, um custo. Se você lucra 2 milhões num ano e investe esses 2 milhões na companhia, você publica que teve lucro de 2 milhões, não de zero. Enfim: educação não pode ser vista como gasto, mas como investimento. O único investimento capaz de realmente tirar o país do vermelho.