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Bruno Garattoni

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Vencedor de 15 prêmios de Jornalismo. Editor da Super.

A variante C.1.2 não é uma ameaça imediata. Mas é sintoma de um problema bem maior

Descoberta na África do Sul, ela reúne mutações das variantes Alfa, Beta, Gama e Delta. Mas ainda é rara, e pode continuar sendo. O maior perigo não é a C.1.2 em si, é o que ela representa: o abandono vacinal dos países mais pobres. Entenda por que isso coloca o mundo inteiro em risco.

Por Bruno Garattoni Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 6 set 2024, 09h27 - Publicado em 31 ago 2021, 16h34

Descoberta na África do Sul, ela reúne mutações das variantes Alfa, Beta, Gama e Delta. Mas ainda é rara, e pode continuar sendo. O maior perigo não é a C.1.2 em si, é o que ela representa: o abandono vacinal dos países pobres. Entenda por que isso coloca o mundo em risco.   

Sabe qual parcela da população, na África do Sul, foi totalmente vacinada contra a Covid até agora? 9,94%. É um índice incrivelmente baixo, sete ou oito vezes menor que o dos países ricos – e faz até o Brasil, onde 28,3% das pessoas já completaram a imunização, parecer exemplar. No continente africano como um todo, a situação é pior ainda: só 2,5% da população está totalmente vacinada. Dois e meio. Fique com esse número na cabeça. 

Como você talvez tenha ouvido falar, foi descoberta uma nova variante do coronavírus, a C.1.2, na África do Sul. Ela foi detectada pela primeira vez em maio, mas só ganhou as manchetes ontem, quando cientistas africanos publicaram um estudo sobre essa variante. Ela tem 14 mutações na proteína spike, incluindo a N501Y, que aumenta a transmissibilidade do vírus e é o grande destaque da variante Alfa, e a mutação E484K, que está presente nas variantes Beta e Gama e ajuda o vírus a escapar dos anticorpos. E também, em parte das amostras, a alteração T478K, uma das mais críticas da variante Delta.  

Em suma: a C.1.2 reúne “greatest hits” de outras variantes. Ela também introduz algumas novas mutações, que em tese poderiam reduzir a eficácia das vacinas – mas isso ainda não foi testado. A boa notícia é que, na prática, a C.1.2 não está se espalhando rápido: ela foi encontrada em 2% das amostras analisadas na África do Sul em julho. É um crescimento em relação a maio (0,2%) e junho (1,6%), mas ainda não representa um problema. Tanto que a C.1.2 não é considerada uma “variante de preocupação” pela OMS – e por isso ainda não ganhou uma letra grega. 

A evolução do coronavírus não é uma linha reta, em que as variantes se sucedem de forma lógica e ordenada. Elas competem entre si – e uma variante que parece mais apta do que as outras nem sempre se torna dominante. As mutações também podem deixar o vírus melhor numa coisa, mas pior em outra: uma nova cepa pode se tornar mais contagiosa e ao mesmo tempo mais vulnerável ao sistema imunológico, por exemplo. Então é bem possível, ao contrário do que dizem as notícias mais alarmistas, que a C.1.2 simplesmente desapareça, ou fique limitada a poucos casos. 

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Mas ela é sintoma de algo bem maior e mais preocupante: a propagação descontrolada do coronavírus nos países mais pobres. Quanto mais gente ele infecta, mais mutações sofre, e maior a probabilidade de que surjam alterações vantajosas para o vírus (as variantes Alfa, Gama e Delta surgiram após períodos de contágio intenso e descontrolado – na Inglaterra, em Manaus e na Índia, respectivamente). Com isso, também é maior o risco de que, eventualmente, o Sars-CoV-2 se torne resistente às vacinas atuais, o que colocaria o mundo inteiro em risco, incluindo as nações mais ricas e imunizadas. 

A África tem condições de adquirir 25 milhões de doses por mês, muito aquém do necessário para cobrir seu 1,3 bilhão de habitantes num prazo minimamente razoável. Deixar o continente entregue à própria sorte, doando vacinas em quantidades quase simbólicas (a França enviou 10 milhões, o Reino Unido 3 milhões e os EUA prometeram 25 milhões), não é só uma demonstração de egoísmo dos países ricos: também é uma péssima estratégia epidemiológica.

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