Besouros rola-bosta usam até as estrelas para guiar bola de cocô
O público pediu, eles voltaram: entenda como os insetos mais carismáticos da natureza evoluíram a capacidade de usar a polarização da luz para levar sua valiosa esfera até a toca.
O texto desta semana é do convidado Walter Mesquita Filho, engenheiro agrônomo e mestre em Entomologia pela Unesp de Ilha Solteira e doutor na mesma área pela ESALQ/USP onde, atualmente, realiza pós-doutorado sobre diversidade de insetos em ambientes agrícolas e naturais.
Na natureza, garantir alimento para si e seus descendentes não é tarefa fácil. Se o alimento em questão só pode ser consumido fresco, a competição entre as espécies para garantir sua parte é ainda maior. Portanto, a melhor estratégia pode ser garantir sua parte e levá-la para o mais longe possível – evitando que seja roubada.
Isso é exatamente o que ocorre com os besouros rola-bosta – insetos que se alimentam de fezes de animais, dentre outras fontes pouco apetitosas. Muitas espécies desses besouros chegam até o monte de cocô e fazem uma esfera, empurrando-a para longe o mais rápido possível.
Nela enterram seus ovos, de onde vão eclodir as larvas. Elas se alimentarão das fezes e darão origem a um novo adulto. Curiosamente, as bolas são roladas com os besouros de cabeça para baixo – como se você plantasse uma bananeira e então andasse com as mãos empurrando uma bola gigante com os pés.
Como a menor distância entre dois pontos é uma reta, é necessário que esses pequenos insetos, que em sua maioria medem poucos centímetros, sejam capazes de manter sua corrida com a bola de fezes em uma direção constante, afastando-se do excremento. Algo que não é muito simples quando se é tão pequeno e se está de cabeça para baixo.
Agora, imagine que essa espécie vive no deserto – ou, ainda, que possui hábitos noturnos dentro de uma floresta nativa. O que utilizar como ponto de referência para o Google Maps interior? Para esses besouros, a solução literalmente caiu do céu.
Os raios solares, ao atravessarem a atmosfera e interagirem com partículas, acabam submetidos a um fenômeno chamado polarização, que gera padrões geométricos.
Para nós, humanos, o fenômeno da polarização é imperceptível, mas esses insetos desenvolveram uma pequena região na parte dorsal dos seus olhos capaz de “enxergar” essa propriedade da luz – que atua como uma guia, possibilitando que eles consigam rolar sua bola de cocô em linha reta rapidamente.
Essa adaptação é tão surpreendente que mesmo durante a noite, quando a incidência de luz polarizada proveniente da Lua é menos intensa, eles ainda conseguem utilizá-la para se guiar.
O que acontece se não há Lua? Bem, nesse caso, eles utilizam as estrelas para garantir o cocô nosso de cada dia. Esses besouros são uma das poucas espécies animais em que já foi registrada a capacidade de se orientar com auxílio de astros distantes. Até a faixa luminosa da Via Láctea pode colaborar.
E se o besouro tropeçar num obstáculo e cair de sua bola? Como se reorientar após, por algum motivo, suas patinhas se separarem da superfície do valioso cocô? É nessa hora que entra em cena a dança do besouro rola-bosta. Ao se separar de sua esfera, o besouro rapidamente a encontra e a escala até o topo – onde começa a se mover harmoniosamaente, girando o corpo até encontrar a luz polarizada novamente. Ao detectá-la, ele desce, vira de ponta cabeça e volta a rolar as fezes.
Apesar de parecer um achado científico curioso e importante apenas para o conhecimento básico do comportamento dos insetos, os cientistas se basearam nessa grande capacidade de orientação e visão desses insetos para desenvolveram lentes fotográficas e faróis de carros com melhor resolução de imagens e visão para o motorista durante a noite.
Esse aprendizado e sua utilização prática é um exemplo do quanto muitas vezes nós subestimamos o valor da pesquisa básica, que gera conhecimentos que muitas vezes parecem inúteis. Quem iria imagina que a selfie de ótima resolução que podemos tirar com os amigos tenha sido possível devido ao estudo de um besouro rolando cocô pela mata.