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Como as Pessoas Funcionam

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Estudos científicos e reflexões filosóficas para ajudar você a entender um pouco melhor os outros e a si mesmo. Por Ana Prado

“O cara que divulgou as fotos tá errado, mas ninguém manda tirar foto pelada!” – a falácia do mundo justo e a culpabilização das vítimas

Por Ana Carolina Prado
Atualizado em 3 set 2024, 10h07 - Publicado em 2 set 2014, 15h35

“É claro que o cara que estuprou é o culpado, mas as mulheres também ficam andando na rua de saia curta e em hora errada!”. “O hacker que roubou as fotos dessas celebridades nuas está errado, mas ninguém mandou tirar as fotos!”. “Se você trabalhar duro vai ser bem-sucedido, não importa quem você seja. Quem morreu pobre é porque não se esforçou o bastante.” Você sabe o que essas afirmações têm em comum?

Há algum tempo falei aqui sobre como os humanos têm diversas formas de se enganar em relação à ideia que têm de si mesmos, quase sempre para proteger sua autoestima ou para saciar sua vontade de estar sempre certos. Mas nosso cérebro não nos engana só em relação a como vemos a nós mesmos: temos também a tendência de nos iludir em relação aos outros e à vida em geral. E as frases acima exemplificam uma maneira como isso pode acontecer: por meio da falácia do mundo justo.

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Por exemplo, embora os estupros raramente tenham qualquer coisa a ver com o comportamento ou vestimenta da vítima e sejam normalmente cometidos por um conhecido e não por um estranho numa rua deserta, a maioria das campanhas de conscientização são voltadas para as mulheres, não para os homens – e trazem a absurda mensagem de “não faça algo que poderia levá-la a ser violentada”.

Muitos estudos revelam outras formas de culpabilização da vítima. Em 1966, os pesquisadores Melvin Lerner e Carolyn Simmons pediram a 72 mulheres para assistir a uma atriz resolvendo problemas e recebendo choques elétricos (que eram de mentirinha, mas elas não sabiam) quando errava. Ao final do experimento, as mulheres tiveram de descrever a atriz – e muitas a desvalorizaram, criticando seu caráter e aparência e dizendo que ela havia merecido os choques.

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O mesmo aconteceu em questões relacionadas a dinheiro. Lerner fez outro experimento, desta vez com dois homens resolvendo quebra-cabeças. Ao final, um deles recebeu uma grande quantia de dinheiro. O prêmio foi totalmente aleatório, e isso foi dito aos observadores. Mesmo assim, quando tiveram de avaliar os dois homens, eles disseram que quem havia recebido o prêmio era mais inteligente, mais talentoso, melhor em resolver quebra-cabeças e mais produtivo.

De lá para cá, muita pesquisa foi feita e obteve resultados semelhantes. Em um estudo sobre bullying feito em 2010 na Universidade Linkoping, na Suécia, 42% dos adolescentes culparam a vítima por ser “um alvo fácil”.

Para os pesquisadores, esses julgamentos estão relacionados à noção – amplamente difundida na ficção – de que coisas boas acontecem a quem é bom e coisas más acontecem a quem merece. A tendência a acreditar que o mundo é assim é chamada, na psicologia, de falácia do mundo justo. “Não importa quão liberal ou conservador você seja, alguma noção dela entra na sua reação emocional quando ouve sobre o sofrimento dos outros”, diz o jornalista David McRaney no livro “Você não é tão esperto quanto pensa”.  Ele acrescenta que, embora muitas pessoas não acreditem conscientemente em carma, no fundo ainda acreditam em alguma versão disso, adaptando o conceito para a sua própria cultura.

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E dá para entender por que somos levados a pensar assim: viver em um mundo injusto e imprevisível é meio assustador e queremos nos sentir seguros e no controle. O problema é que crer cegamente nisso leva a ainda mais injustiças, como o julgamento de que pessoas pobres ou viciadas em drogas são vagabundas e têm mais é que se ferrar, que mulher de roupa curta merece ser maltratada ou que programas sociais são um desperdício de dinheiro e uma muleta para preguiçosos. Todas essas crenças são falaciosas porque partem do princípio de que o sistema em que vivemos é justo e cada um tem exatamente o que merece.

É importante notar que não estamos falando aqui sobre consequências de ações: se você não trabalha ou gasta todo o seu dinheiro com coisas inúteis, é bem provável que acabe sem grana nenhuma; se for escroto com todo mundo, é bem provável que tenha muita dificuldade em ter amigos de verdade – são escolhas ruins que costumam levar a resultados ruins. O problema é que, nesse caso, a falácia do mundo justo desconsidera os inúmeros outros fatores que influenciam quão bem-sucedida a pessoa vai ser, como o local onde ela nasceu, a situação socioeconômica da sua família, os estímulos e situações pelas quais passou ao longo da vida e o acaso. Programas sociais e ações afirmativas não rompem o equilíbrio natural das coisas, como seus críticos podem crer – pelo contrário, a ideia é justamente minimizar os efeitos da injustiça social. Uma pessoa extremamente pobre pode virar a dona de uma empresa multimilionária, mas o esforço que vai ter de fazer para chegar lá é muito maior do que o esforço de alguém nascido em uma família rica que sempre teve acesso à melhor educação e a bons contatos. “Se olhar os excluídos e se questionar por que eles não conseguem sair da pobreza e ter um bom emprego como você, está cometendo a falácia do mundo justo. Está ignorando as bênçãos não merecidas da sua posição”, diz McRaney.

Em casos de abusos contra outras pessoas, como bullying ou estupro, a injustiça é ainda maior, pois eles nunca são justificados – e aí a falácia do mundo justo se mostra ainda mais perversa. Portanto, toda vez que você se sentir movido a dizer coisas como “O estuprador é quem está errado, é claro, mas…”, pare por aí. O que vem depois do “mas” é quase sempre fruto de uma tendência a ver o mundo de uma forma distorcida só para ele parecer menos injusto.

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Imagens: Thinkstock e Tumblr

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