A criatividade é um tema muito presente não só em estudos de psicologia e neurociência, mas também em indagações nossas de modo geral. Aquela ideia comum do gênio atormentado faz muita gente pensar se a criatividade não seria algo ruim para a saúde emocional – ou se as pessoas com problemas emocionais é que seriam atraídas de alguma forma para trabalhos artísticos.
Algumas pesquisas trouxeram luz a questões do tipo. É um fato comprovado vez após vez, por exemplo, que emoções positivas favorecem a criatividade, e pesquisas já mostraram uma ligação entre depressão e esquizofrenia e certos tipos de arte. Também já foram encontradas evidências de que trabalhos criativos favorecem estados emocionais positivos, mas boa parte dos trabalhos nestes casos focava em atividades criativas realizadas por voluntários em laboratório, ali ao lado dos pesquisadores.
Um estudo publicado recentemente no Journal of Positive Psychology e assinado por pesquisadores da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, da Universidade de Minnesota e da Universidade da Carolina do Norte em Greensboro, ambas nos Estados Unidos, trouxe algumas novidades.
Os autores recrutaram 658 voluntários entre 17 e 25 anos, todos estudantes universitários da Nova Zelândia, e pediram a eles que mantivessem um diário online durante 13 dias. Ali, eles tinham de responder a perguntas sobre seus sentimentos, pensamentos e atividades criativas que haviam feito em cada dia.
Por atividades criativas, o questionário definia: “ter ideias novas ou originais; expressar-se de uma maneira original e útil; ou passar tempo fazendo atividades artísticas (arte, música, pintura, escrita etc.)”. Os participantes davam uma nota em uma escala de 0 (nada) a 4 (muito) para o quanto haviam se engajado em coisas desse tipo.
A medição de seu estado emocional era feita por um questionário diário com 18 itens que mediam emoções positivas como energia, entusiasmo, excitação, felicidade, prazer, calma, contentamento etc. e negativas, como raiva, hostilidade, irritabilidade, ansiedade, tensão, tristeza etc. Havia a chamada “flourishing scale”, ou escala de florescimento, que media sentimentos ligados a ter um propósito ou significado para a vida, além de engajamento e conexão social.
Resultados
O estudo concluiu que, quando os voluntários se envolviam mais do que o usual em atividades criativas, isso provocava um aumento significativo na escala de emoções positivas e um aumento ainda maior na escala de “florescimento” no dia seguinte. Ou seja, eles ficavam mais felizes e sentiam que tinham um propósito na vida.
Por outro lado, um aumento nessas duas escalas não significou aumento de atividades criativas no dia seguinte, o que mostra que esse é um efeito de uma mão só. Também não houve diferença na medição de emoções negativas (o que mostra que, se ser mais criativo não diminui emoções negativas, também não as aumenta, como alguns talvez pudessem pensar).
Implicações do estudo
De acordo com os autores, esses resultados abrem uma nova possibilidade para as pessoas ao permitir colocar as atividades criativas ao lado de práticas como a meditação, o estímulo à gratidão e os exercícios físicos como fontes de bem-estar.
E um ponto importante que os autores fizeram questão de frisar: essas atividades criativas não se restringem a trabalhos profissionais de arte e podem incluir coisas tão simples quanto cozinhar um prato novo, tricotar ou fazer uns rabiscos legais.
“Como os traços de personalidade dos voluntários não alterou os efeitos da criatividade sobre o bem-estar, é provável que essa estratégia possa funcionar com todos os tipos de pessoas,” diz o estudo, que pode ser lido na íntegra aqui. Ou seja, você não precisa ter uma personalidade mais propensa às artes ou ser especialmente criativo para se beneficiar disso.
Podemos ter um bom trabalho ou não, podemos ter uma vida confortável ou não, mas estamos todos sujeitos àquele sentimento de não ver muito propósito no que temos feito. Por outro lado, alguns dias nos sentimos realizados mesmo tendo feito coisas simples. Talvez a criatividade seja um fator importante por trás disso.