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Histórias esquecidas sobre os assuntos mais quentes do dia a dia. Por Felipe van Deursen, autor do livro "3 Mil Anos de Guerra"

A guerra que motivou o desejo de independência da Catalunha

A Guerra da Sucessão Espanhola opôs as principais potências da Europa e foi transformada em causa de independência catalã

Por Felipe van Deursen Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 15h07 - Publicado em 9 out 2017, 15h21
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Cerco a Barcelona, em 11 de setembro de 1714. (Institut Cartogràfic de Catalunya/Domínio Público)

Quando a Guerra Civil Espanhola estourou, em 1936, em que republicanos, comunistas e socialistas lutaram contra o levante nacionalista do general Francisco Franco, a Catalunha tinha ampla autonomia em relação ao governo central. Mas, ao fim da guerra, em 1939, o governo foi deposto e Franco, apoiado por fascistas e nazistas, foi alçado ao poder. A ditadura franquista limou as liberdades catalãs, reacendendo o desejo de independência.

Mas não foi nesse conflito que começou a história de atritos entre Barcelona e Madri. Isso é muito mais antigo. Mais até que o Botín, o restaurante madrilenho reconhecido como o mais velho do mundo.

Desde 1150, a Catalunha era ligada ao reino de Aragão (que, no século XV, formaria com outro reino, Castela, o núcleo central da Espanha moderna), graças àquela instituição que na Idade Média podia mudar o destino de povos inteiros e que hoje pode mudar o rumo de modas: o casamento real. Naquele ano, Petronila, rainha de Aragão, casou-se com Raimundo Berengário IV (ou, em catalão, Ramon Berenguer), o conde de Barcelona. Pelos séculos seguintes, esses reinos cristãos lutaram contra os muçulmanos até conquistarem Granada, em 1492. 

Em 1516, um ramo da poderosa dinastia Habsburgo, da Áustria, começou um longo período de reinado na Espanha. A união seguiu até 1700. Mas o monarca de então, Carlos II, tinha um apelido pouco convidativo para histórias que terminam bem. Ele era O Amaldiçoado. Carlos tinha várias deficiências físicas, como um queixo deformado que atrapalhava a fala. Ele foi o produto final de uma série de nove casamentos consanguíneos (de um total de 11) da dinastia ao longo de dois séculos. Com isso (e também por causa de uma ejaculação precoce incontrolável), Carlos II não conseguia ter filhos.

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Carlos II, O Amaldiçoado (Juan Carreño de Miranda/Domínio Público)

As outras potências europeias já estavam de olho no vasto império espanhol e começaram a especular o que fazer na falta de um herdeiro Habsburgo. Carlos, contrariado com o fato de ser tratado como um fardo moribundo, mudou seu testamento e transferiu a coroa para o neto de sua meia-irmã, Filipe. O problema é que Filipe era neto também de Luís XIV, ele mesmo, o Rei Sol da França. Podemos associar Luís XIV mais aos luxos da corte de Versalhes, àquelas perucas, bailes pomposos etc., mas ele era um expansionista belicoso que já tinha travado quatro guerras contra outros europeus.

Carlos II morreu em 1700, deixando o pepino para os outros. Nenhuma potência via com bons olhos a França dos Bourbon se apoderar da Espanha e de seus vastíssimos territórios d’além-mar. Então, no ano seguinte, a Guerra da Sucessão Espanhola estourou. De um lado, a França de Filipe V de Bourbon. Do outro, o arquiduque Carlos da Áustria, que desejava manter os Habsburgo no poder espanhol. A Áustria teve ao seu lado a Inglaterra e a Holanda, além de outros reinos que temiam uma França poderosa demais.

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Na Espanha, houve divisões. Castela se aliou aos franceses e a Catalunha, que se destacava pelo perfil mercantilista, apoiou a Áustria e o projeto de livre-comércio de ingleses e holandeses. Mas, no começo, a região recebeu os Bourbon de braços abertos. Um acúmulo de frustrações e um sentimento antifrancês a fizeram mudar de lado.

A guerra acabou em 1714, em uma série de tratados de paz assinada em Utrecht, na Holanda. Filipe perdeu territórios na Europa, entre eles Gibraltar (outra questão que ressurgiu recentemente), mas assegurou o trono na Espanha, iniciando o reinado dos Bourbon, representado hoje por Filipe VI, coroado em 2014. O conflito deixou 700 mil mortos e um legado que influiu na ascensão da Inglaterra como potência marítima (e escravocrata, é bom não esquecer) e até na difusão de bebidas alcoólicas como o vinho do Porto.

A Catalunha, derrotada, perdeu muitos privilégios e liberdades, e por isso existe a versão de que 1714 representa o fim da independência catalã e guerra da sucessão seria, na região, uma guerra de secessão. Porém, não há indícios históricos disso e especialistas divergem se a região de fato foi independente em algum momento desde a Idade Média. Até porque havia uma parcela da população que apoiava o governo dos Bourbon em Madri, então o que aconteceu foi mais um reflexo regional de uma grande guerra entre potências que opôs dois projetos de Europa.

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Mais ou menos como hoje: 90% apoiaram a independência no plebiscito realizado em 1º de outubro, mas só 43% dos eleitores compareceram, o que levanta dúvidas sobre o quanto a população de fato deseja o rompimento. Vão-se os reis solares e os reis amaldiçoados, mas o embate segue mais ou menos o mesmo.

 

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Conflitos pouco lembrados hoje, mas que ainda impactam o mundo em que vivemos, como a Guerra da Sucessão Espanhola, estão no meu livro, 3 Mil Anos de Guerra, à venda em bancas, livrarias e, para facilitar sua vida, aqui

3 mil anos de guerra
(Superinteressante/Reprodução)
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