Como o mosquito da dengue (e do zika) fez São Paulo se tornar uma metrópole
Locomotiva? Nem da província. Antes da H1N1, a doença da vez em São Paulo era o zika. Um assunto até então anedótico, mas que colocou o Brasil no centro do mundo, do ponto de vista da OMS, quando o surto se globalizou. O vírus zika, você sabe, é transmitido pelo mesmo mosquito que causa a […]
Locomotiva? Nem da província.
Antes da H1N1, a doença da vez em São Paulo era o zika. Um assunto até então anedótico, mas que colocou o Brasil no centro do mundo, do ponto de vista da OMS, quando o surto se globalizou. O vírus zika, você sabe, é transmitido pelo mesmo mosquito que causa a dengue, o Aedes aegypti. Os casos de dengue, já uma relativamente velha conhecida nossa, também dispararam na cidade: 144% em janeiro, em relação ao mesmo mês do ano passado, embora o total dos primeiros meses de 2016 tenha ficado abaixo de 2015.
Quanto ao zika, o número de suspeitos saltou de 76 para 224. De chicungunya, outra doença causada pelo vírus e que entrou no nosso papo de botequim, os suspeitos de estarem infectados em 2015 eram 728 até 6 de abril. No mesmo período esse ano, 1.237.
Talvez exageradamente, já que a humanidade ainda não aprendeu a lidar direito com epidemias, o Aedes se tornou o grande vilão da cidade de São Paulo (e de boa parte do Sudeste e do Brasil, sim, mas a história aqui é sobre SP). É bom lembrar que o mosquito não transmite apenas as doenças acima. Essa máquina de epidemias também é responsável por outra velha conhecida, mas que anda meio esquecida, a febre amarela.
E foi um surto de febre amarela que ajudou São Paulo a se tornar a maior metrópole da América do Sul.
São Paulo é uma cidade antiga (em termos brasileiros), mas a maior parte de sua existência foi aos trancos e barrancos. Em vários períodos da história ela quase foi apagada do mapa. Ataques de índios, debandada da população na corrida do ouro e o declínio da era dos bandeirantes deixaram a então cidadezinha quase a ponto de morrer, em diversas vezes.
No século 19, quando começava a se desenvolver, São Paulo não era a locomotiva do Brasil, nem mesmo da província (como os estados eram chamados no império). Havia outras rivais para o posto. Santos se firmava como um grande porto e Campinas era o centro da economia cafeeira. Em 1869, um historiador previu que Santos se tornaria o grande polo econômico da província.
A geografia ajudou. São Paulo cresceu porque estava no meio do caminho entre a produção do café e a exportação. Ou seja, a estrada de ferro passava pela cidade, então ela se beneficiou disso. Então, as três cidades estavam praticamente empatadas em faturamento. A renda municipal de Santos era de 48 contos de réis; a de Campinas, 49; a de São Paulo, 52 contos.
Podia ter uma liderança econômica compartilhada na província, mas São Paulo ainda era uma cidade acanhada. O censo de 1872 dizia que ela tinha 31.385 habitantes. Era muito menor que o Rio (275 mil), Salvador (129 mil) e Recife (116 mil). E também menor que Belém, Niterói, Porto Alegre, Fortaleza e Cuiabá.
Roberto Pompeu de Toledo, no livro A Capital da Solidão, que conta as origens de São Paulo até 1900, relembra essa “obra do acaso” causada pelo Aedes. Santos, assim como todo o litoral brasileiro, sofria com a febre amarela desde meados do século 19. No final dos anos 1880, foi a vez de Campinas, junto do resto do interior. A doença castigou as cidades cafeeiras. Quem podia, fugia. Foi o que aconteceu. Em 1889, boa parte dos fazendeiros se mudou para a capital (ou, no mínimo, fez dela uma segunda residência). Grandes comerciantes de Santos começaram a fazer a mesma coisa.
Com os donos do dinheiro instalados em São Paulo, o status da cidade passou a ser outro. Em 1890, já eram 65 mil habitantes (o dobro de 18 anos antes. Em 1900, 240 mil.
O jogo virou. Graças ao mosquito que hoje inquieta seus 11 milhões de habitantes.