Nos EUA, Partido da Lei Seca já foi feminista. Hoje quer ser lembrado que ainda existe
Os Estados Unidos não têm só dois partidos, como nos acostumamos a achar. Além dos democratas e republicanos, existem uma penca de partidos nanicos, com representação quase nula. Há o Novo Partido dos Panteras Negras, o Partido Transumanista, o Partido da Maconha dos Estados Unidos, o Partido Pirata, o Partido dos Veteranos… E há também […]
Os Estados Unidos não têm só dois partidos, como nos acostumamos a achar. Além dos democratas e republicanos, existem uma penca de partidos nanicos, com representação quase nula. Há o Novo Partido dos Panteras Negras, o Partido Transumanista, o Partido da Maconha dos Estados Unidos, o Partido Pirata, o Partido dos Veteranos… E há também o Partido da Lei Seca.
Sim, aquela lei do Al Capone, da era do jazz, do Eliot Ness e os Intocáveis.
Surgiu em 1869 – o que faz dele o partido mais velho do país, depois do Democrata e do Republicano – como uma aliança entre os defensores da temperança (corrente popular na segunda metade do século 19 que combatia os excessos do álcool em diversos países) e antigos abolicionistas que viam na indústria de bebidas uma máquina de propinas que afundava na lama da corrupção os grandes partidos.
O Jack Daniel era o Marcelo Odebrecht americano, com o agravante que seu ganha-pão viciava o povo e destruía a habilidade de poder votar conscientemente. Essa era a visão dos fundadores do partido.
A principal bandeira, é claro, era (e é) o combate ao álcool, mas o partido tinha muitas propostas sociais, que podem, inclusive, dar um nó em visões maniqueístas políticas (algo bastante em voga por aqui também, em tempos de petralhas e coxinhas). Nos tempos áureos, ele apoiou os direitos da mulher, décadas antes dos outros, propondo salários igualitários já em 1892, uma época em que mulheres não podiam nem votar. Mesmo assim, elas estavam entre os fundadores e afiliados da legenda. Graças a isso, Susanna Madora Salter, ao ser eleita prefeita de Argonia, Kansas, em 1887, foi a primeira mulher escolhida para um cargo nos Estados Unidos. Salter era do Partido da Lei Seca. A primeira mulher candidata à presidente, em 1924, também.
Nessa época, a legenda viveu seu auge de popularidade, até conseguir o que tanto almejava. Entre 1920 e 1933, a fabricação, o transporte e a venda de bebidas alcoólicas estava proibida no país. Um período que popularizou tanto o crime organizado quanto a coquetelaria americana – afinal, se beber era perigoso perante a lei, você precisava disfarçar cores e mascarar odores: God bless the bloody mary.
A lei se mostraria um fracasso e foi derrubada 13 anos depois. Mas, no princípio, o partido comemorou a vitória. Desde então, foi ladeira abaixo. É que muitos afiliados acharam que o trabalho estava encerrado, e que eles conseguiram o que queriam. Assim, nas décadas seguintes, os votos caíram dos milhares para as centenas. Além disso, com a debandada de alas mais progressistas, o partido mudou de cara e ficou nas mãos dos religiosos conservadores que demonizavam a birita.
Em tempos mais recentes, o partido resiste apostando em candidaturas bizarras. Nas eleições de 2004 e 2008, o pré-candidado a presidente Gene C. Amondson visitava vinícolas fantasiado de Morte. Jack Fellure, o nome indicado para 2012, lançou uma plataforma baseada unicamente na Bíblia do Rei Tiago (muitas vezes erroneamente traduzida para “Rei Jaime”), de 1611.
O partido resiste há mais de 140 anos, embora nunca tivesse mais de 2,2% dos votos. Suas bandeiras atuais o deixam em uma zona cinzenta difícil de jogar para a esquerda ou a direita. Ele defende escola gratuita universal, o aumento do salário mínimo e uma legislação rígida sobre as mudanças climáticas. É contra o consumo de álcool (óbvio) e também de drogas recreativas. É igualmente contra o controle da comercialização de armas, o sistema de saúde público, a legalização do aborto e o casamento gay.
O candidato do partido nas eleições presidenciais de 2016 chama-se James Hedges, 78 anos, há 50 no partido. Um homem que não se acanha em dizer, em entrevistas, “obrigado por se lembrar do Partido da Lei Seca. Acho que quase ninguém sabe da nossa existência”.