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Deriva Continental

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Um blog para terráqueos e terráqueas interessados no que aconteceu nos 4,5 bilhões de anos em que não estiveram por aqui. Feito pela Sociedade Brasileira de Geologia (SBG) em parceria com a Super.

Erupção vulcânica em Tonga foi a mais violenta da história do país

Um evento como o da última sexta (14) acontece em intervalos de décadas ou séculos. Entenda como as erupções são classificadas – e quais foram os impactos para comunidades próximas.

Por Letícia Guimarães, Ronaldo Pierosan, Lucas Rossetti
Atualizado em 6 set 2024, 10h30 - Publicado em 22 jan 2022, 15h04

Este é o sétimo texto do blog Deriva Continental, escrito por Letícia Freitas Guimarães, Ronaldo Pierosan, Lucas Rossetti.

De tempos em tempos, erupções vulcânicas nos lembram que o planeta Terra é vivo e dinâmico. No dia 14 de janeiro, esse lembrete veio do vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha’apai, localizado no arquipélago de Tonga, no Oceano Pacífico. A erupção ocorreu em uma ilha inabitada, mas as cinzas se espalharam por quilômetros de distância, o tremor provocou tsunamis que romperam o cabo de fibra óptica que conecta a internet de Tonga ao resto do mundo.

A erupção já é considerada a mais violenta da história do país. A seguir, entenda o que causou a explosão, como profissionais da Geologia classificam as erupções e quais foram os impactos globais causados pelo Hunga Tonga-Hunga Ha’apai.

O que causa o vulcanismo?

Vulcões são aberturas na crosta terrestre de onde lava, fragmentos vulcânicos e gases são expelidos. As erupções podem ocorrer em três ambientes geológicos diferentes: separação de placas tectônicas (como ocorre no meio do Oceano Atlântico, responsável pelo vulcanismo na Islândia); colisão de placas tectônicas (isso ocorre ao longo do denominado “Círculo de Fogo do Pacífico”, que inclui o Hunga Tonga-Hunga Ha’apai); e nas porções internas das placas, onde a geração de magma está relacionada à ocorrência de pontos quentes no manto terrestre (é o caso das ilhas Havaianas e Canárias).

Ilustração representativa dos diferentes ambientes tectônicos onde ocorre vulcanismo. A) Separação de placas tectônicas, onde a geração do magma ocorre devido à rápida perda de pressão do manto, que se funde. B) Colisão de placas tectônicas, onde a geração de magma resulta da redução da temperatura de fusão do manto causada pela interação com a água proveniente da desidratação da placa tectônica que mergulha sob a outra. C) Porções internas de placa, onde a geração de magma está relacionada à ocorrência de regiões anomalamente quentes no manto.
Ilustração representativa dos diferentes ambientes tectônicos onde ocorre vulcanismo. A) Separação de placas tectônicas, onde a geração do magma ocorre devido à rápida perda de pressão do manto, que se funde. B) Colisão de placas tectônicas, onde a geração de magma resulta da redução da temperatura de fusão do manto causada pela interação com a água proveniente da desidratação da placa tectônica que mergulha sob a outra. C) Porções internas de placa, onde a geração de magma está relacionada à ocorrência de regiões anomalamente quentes no manto. (CreativeCommons/Reprodução)

As ilhas de Hunga Tonga e Hunga Ha’apai são porções emersas (ou seja, acima do nível do mar) de uma caldeira vulcânica submarina de 3 quilômetros de extensão. Todas as erupções por lá são causadas pela colisão entre as placas tectônicas do Pacífico e da Austrália. A primeira mergulha sob a segunda, gerando o chamado arco vulcânico de Tonga-Kermadec.

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O magma que chega à superfície não é líquido, e sim um fluido viscoso composto de três fases: uma líquida, uma gasosa (resultante da liberação de gases dissolvidos na fase líquida) e uma sólida (minerais formados a partir da cristalização da fase líquida). As erupções podem ser efusivas (em que predomina o derramamento de lava) ou explosivas (onde há produção de fragmentos vulcânicos que são ejetados na atmosfera, como a famosa erupção do Monte Vesúvio).

As consequências da atividade vulcânica para as comunidades humanas são bastante variadas e o tamanho do impacto causado por elas depende do tipo e da intensidade da erupção. A atividade recente do vulcão Cumbre Vieja, nas Ilhas Canárias é um exemplo de erupções efusivas com dano localizado. Já as erupções fortemente explosivas podem resultar em dano regional ou até mesmo global. Um exemplo são as erupções dos vulcões chilenos Puyehue-Cordón Caulle e Calbuco em 2011 e 2015, respectivamente, que fecharam aeroportos no Chile, Argentina e no sul do Brasil. Outro exemplo é a erupção do vulcão Tambora, na ilha de Sumbawa, em 1815, que reduziu a temperatura do planeta em até 2,5°C, fazendo com que o ano de 1816 ficasse conhecido como “o ano sem verão” na Europa.

Como classificar as erupções vulcânicas

As erupções explosivas são classificadas de acordo com o índice de explosividade vulcânica (VEI, da sigla em inglês para volcanic explosivity index). Trata-se de uma escala numérica (logarítmica) baseada no volume de material ejetado e na altura da coluna eruptiva – aquela nuvem de cinzas de gases que observamos nas erupções.

Índice de Explosividade Vulcânica (VEI), escala numérica mede a explosividade relativa das erupções vulcânicas. Volume de material expelido, altura da coluna eruptiva e descrições qualitativas (por exemplo “erupção suave”, “erupção colossal”, etc.) são usados como critério de classificação. A escala não tem limite superior, embora o maior valor (VEI=8) seja definido com base nas maiores erupções conhecidas no planeta. VEI 0 corresponde à erupções efusivas ou de baixa explosividade, com volume de material ejetado inferior a 10.000 m³, enquanto que VEI 8 representa erupções mega-colossais, com volume de material ejetado superior a 1.000 km³ e colunas eruptivas mais altas que 25 km. A escala é logarítmica, ou seja, cada intervalo da escala representa um aumento de 10 vezes no volume de material ejetado (com exceção dos intervalos entre VEI 0, 1 e 2).
Índice de Explosividade Vulcânica (VEI), escala numérica mede a explosividade relativa das erupções vulcânicas. Volume de material expelido, altura da coluna eruptiva e descrições qualitativas (por exemplo “erupção suave”, “erupção colossal”, etc.) são usados como critério de classificação. A escala não tem limite superior, embora o maior valor (VEI=8) seja definido com base nas maiores erupções conhecidas no planeta. VEI 0 corresponde à erupções efusivas ou de baixa explosividade, com volume de material ejetado inferior a 10.000 m³, enquanto que VEI 8 representa erupções mega-colossais, com volume de material ejetado superior a 1.000 km³ e colunas eruptivas mais altas que 25 km. A escala é logarítmica, ou seja, cada intervalo da escala representa um aumento de 10 vezes no volume de material ejetado (com exceção dos intervalos entre VEI 0, 1 e 2). (geology.com/Montagem sobre reprodução)

O VEI varia de 0 (eventos não explosivos, com volume de material inferior a 10.000 m³) a 8 (eventos extremos, com volume de material ejetado superior a 1.000 km³ e altura da coluna eruptiva acima de 25 km).

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Eventos de VEI 1-2 ocorrem no intervalo de semanas a meses. Já os de VEI 5 ocorrem no intervalo de décadas, os de VEI 6 no intervalo de séculos, e os de VEI 7-8 no intervalo de centenas de milhares de anos.

Magnitude e frequência das erupções ocorridas nos últimos 10 mil anos. O número cumulativo de erupções para cada VEI está normalizado por 1000 anos. Erupções de baixa explosividade (VEI 0 e 1) não incluídas. Escala logarítmica é utilizada a fim de permitir a visualização das baixas frequências relacionadas às maiores erupções. Exemplos de erupções bem conhecidas são indicados para ilustrar cada VEI.
Magnitude e frequência das erupções ocorridas nos últimos 10 mil anos. O número cumulativo de erupções para cada VEI está normalizado por 1000 anos. Erupções de baixa explosividade (VEI 0 e 1) não incluídas. Escala logarítmica é utilizada a fim de permitir a visualização das baixas frequências relacionadas às maiores erupções. Exemplos de erupções bem conhecidas são indicados para ilustrar cada VEI. (Simkin & Siebert/Montagem sobre reprodução)

O volume de material ejetado pela erupção em Tonga, na semana passada, ainda não foi bem estimado. Estima-se que a intensidade da erupção é de VEI entre 5 e 6. O Serviço Geológico de Tonga reportou que a altura da coluna eruptiva foi superior a 20 km, enquanto alguns especialistas sugerem, a partir de imagens de satélite, altura superior a 30 km.

Seja como for, esse é o maior evento da história do sistema vulcânico Tonga-Kermadec.

Localização do sistema vulcânico Hunga Tonga-Hunga Ha’apai (estrela amarela na imagem superior à esquerda). A imagem superior à direita apresenta a batimetria do entorno das ilhas Hunga Tonga e Hunga Ha'apai, medida a partir do navio R/V Falkor em abril de 2016, evidenciando o relevo no vulcão submarino; o volume total estimado do edifício vulcânico acima do piso da caldeira (a -155 m) é de aproximadamente 0,50 km³, dos quais cerca de 11% estão acima do nível médio do mar. O diâmetro basal do edifício é de aproximadamente 1,5 km. As imagens inferiores incluem uma imagem obtida pelo Airbus Pléiades-1A (à esquerda) no final do evento eruptivo de 2015, que representa a expressão inicial do relevo (pré-erosão) da “nova” ilha Hunga Tonga-Hunga Ha'apai, e o estado da ilha quase 3 anos depois (à direita), em imagem DigitalGlobe WorldView-2 obtida em 19 de setembro de 2017. A evolução costeira é evidenciada pelos contornos coloridos na imagem inferior à esquerda, com cores que variam do vermelho (janeiro de 2015) a azul (setembro de 2017).
Localização do sistema vulcânico Hunga Tonga-Hunga Ha’apai (estrela amarela na imagem superior à esquerda). A imagem superior à direita apresenta a batimetria do entorno das ilhas Hunga Tonga e Hunga Ha’apai, medida a partir do navio R/V Falkor em abril de 2016, evidenciando o relevo no vulcão submarino; o volume total estimado do edifício vulcânico acima do piso da caldeira (a -155 m) é de aproximadamente 0,50 km³, dos quais cerca de 11% estão acima do nível médio do mar. O diâmetro basal do edifício é de aproximadamente 1,5 km. As imagens inferiores incluem uma imagem obtida pelo Airbus Pléiades-1A (à esquerda) no final do evento eruptivo de 2015, que representa a expressão inicial do relevo (pré-erosão) da “nova” ilha Hunga Tonga-Hunga Ha’apai, e o estado da ilha quase 3 anos depois (à direita), em imagem DigitalGlobe WorldView-2 obtida em 19 de setembro de 2017. A evolução costeira é evidenciada pelos contornos coloridos na imagem inferior à esquerda, com cores que variam do vermelho (janeiro de 2015) a azul (setembro de 2017). (Garvin et al/Montagem sobre reprodução)
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Impactos da erupção

A erupção do Hunga Tonga-Hunga Ha’apai começou no dia 14 de janeiro, mas atingiu seu ápice no dia 15. A explosão violenta destruiu grande parte da ilha, gerou uma nuvem de fragmentos vulcânicos e gases, além de uma onda de choque com velocidades da ordem de 300 m/s, percebida por moradores das Ilhas Fiji e outras localidades próximas. Ela chegou a ser detectada por sensores localizados na Nova Zelândia, Estados Unidos, México e Reino Unido. Tsunamis também atingiram outras ilhas da região.

Imagens da coluna eruptiva produzida pela atividade explosiva do vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha’apai em 14-15 de janeiro de 2022 (acima) e da consequente camada de cinzas recobrindo a capital Nuku’alofa (abaixo)
Imagens da coluna eruptiva produzida pela atividade explosiva do vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha’apai em 14-15 de janeiro de 2022 (acima) e da consequente camada de cinzas recobrindo a capital Nuku’alofa (abaixo) (Volcano Discovery/Montagem sobre reprodução)

A explosão ouvida em todo o Pacífico foi considerada a mais estrondosa desde a erupção do Krakatoa em 1883. Ondas de mais de 1,2 metros atingiram Nuku’alofa (capital de Tonga). Elas chegaram à Nova Zelândia cerca de 5 horas após a erupção, e também aos Estados Unidos, 10 horas após a erupção.

A Cruz Vermelha estima que ao menos 80 mil pessoas foram afetadas pelos tsunamis ao redor do mundo. Eles causaram, inclusive, um vazamento de petróleo no Peru, gerando uma mancha de óleo de quase 20 mil m², causando grande dano ambiental na região.

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A nuvem de cinzas e gases vulcânicos que se espalha pelo Pacífico cobriu as ilhas mais próximas ao vulcão. Ela já danificou centenas de edificações, causou cancelamento de vôos, além de interrupções no abastecimento de água e agricultura.

A comunicação nas ilhas, feita majoritariamente por cabos submarinos, foi interrompida devido aos danos causados pelos tsunamis. A comunicação via satélites está prejudicada pelas cinzas e gases vulcânicos – o que atrasou o início da ajuda às populações afetadas. O monitoramento do sistema vulcânico também está comprometido e segue sendo feito via imagens de satélite.

Ao menos 3 mortes foram notificadas pelo governo local, além de pessoas desaparecidas (os números ainda não foram divulgados). A análise detalhada e uma estimativa precisa dos danos causados devem ser atualizadas e divulgadas pelas instituições locais ao longo dos próximos dias.

Histórico do vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha’apai

As primeiras erupções observadas na caldeira datam de 1912 (VEI 2). Outros eventos eruptivos foram registrados em 1938 (VEI 2), 1988 (VEI 0), 2009 (VEI 2) e 2014-2015 (VEI 2). A atividade eruptiva é do tipo surtseyana, uma erupção explosiva subaquática rasa, onde a fragmentação do magma que gera a explosão é resultado da interação entre magma e água (neste caso, do mar).

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A erupção de 17 a 21 de março de 2009 produziu uma nuvem de vapor e cinzas que atingiu 7,6 km de altura, gerando problemas para o tráfego aéreo local, e resultou em dois cones vulcânicos na porção noroeste e sul da ilha Hunga Ha’apai.

A atividade que se estendeu de 19 de setembro de 2014 a 24 de janeiro de 2015 produziu uma nuvem de vapor que atingiu 10 km de altura e gerou jatos de fragmentos vulcânicos de dispersão localizada (ainda assim suficientes para causar o cancelamento de vôos internacionais na região) que resultaram em um cone vulcânico de 120 metros de altura e 2 km de comprimento que uniu as duas ilhas pré-existentes.

Estudos sobre os vulcões

As erupções vulcânicas sempre despertaram o interesse e a curiosidade da humanidade. Desde o período dos grandes filósofos, de Plínio o Velho (79 A.C) a René Descartes (1650), existem relatos sobre estes eventos. Com o advento da Geologia Moderna, a partir das teorias de James Hutton (1785) e seus adeptos, foi possível compreender melhor estes fenômenos.

Os avanços tecnológicos do último século – principalmente sobre ondas sísmicas, imagens de satélite e modelos computacionais – permitiram aprofundar o conhecimento sobre as atividades vulcânicas. Atualmente, cientistas de todo o mundo acompanham e estudam as erupções vulcânicas, publicam seus resultados em artigos e livros e debatem suas teorias em eventos científicos.

Desde 1999, o Brasil possui um evento científico específico para discutir este tema: o Simpósio de Vulcanismo e Ambientes Associados. Em outubro de 2022, o evento, que é promovido pela Sociedade Brasileira de Geologia, será organizado pela Universidade Federal de Mato Grosso e realizado em Cuiabá, e contará com especialistas de diversas regiões do país e de outras nações, discutindo os diferentes aspectos relacionados às atividades vulcânicas atuais e antigas.


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