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Respostas para as perguntas que surgem entre a primeira e a última página e outras notas de rodapé sobre livros fundamentais – e outros nem tanto. Por Pâmela Carbonari

“O ódio virtual nos atinge da mesma maneira que o assédio na vida real”

Por Pâmela Carbonari Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 15h36 - Publicado em 29 Maio 2018, 18h10

“Quem eu seria se não vivesse em um mundo odeia as mulheres?”

A pergunta é feita pela jornalista americana Jessica Valenti em seu novo livro. Quem dera a resposta fosse otimista.

Colunista de gênero e política do jornal The Guardian, Jessica é uma das pioneiras do feminismo online – desde 2004 escreve no premiado site Feministing. Antes mesmo das redes sociais terem feito milhões de leitores visualizarem seus perfis ao invés de lerem jornal no café da manhã, a nova-ioquina de 39 anos discutia temas como assédio, estupro, igualdade salarial e também era criticada e ameaçada por essas opiniões. Em 2011, o Feministing foi reconhecido pelo prêmio Hillman de responsabilidade social.

Jessica tem um currículo impressionante. Ela é autora de seis livros e seu trabalho já foi publicado no The New York Times, The Nation, Washington Post. Este último, inclusive, define Jessica como “uma das mais notórias e bem-sucedidas feministas de sua geração”. O livro Gold: The Purity Myth: How America’s Obsession with Virginity Is Hurting Young Women (ainda sem versão em português) venceu o maior prêmio de publicação independente do mundo, o Independent Publisher Book Award. Em 2011, ela foi eleita uma das 100 mulheres mais inspiradoras do ano pelo The Guardian.

Neste ano, sua autobiografia, Objeto Sexual: memórias de uma feminista, foi lançada no Brasil pela editora Cultrix. Nela, Jessica escreve sobre os assédios que sofreu no transporte público, o medo de que a filha não passe pelos abusos que as mulheres da sua família sofreram, a frustração por seu corpo ser mais reconhecido que suas idéias e como foi ridicularizada pela maneira como seus seios aparecem em uma foto com Bill Clinton e um grupo de pessoas. Sem pudores nem meias palavras, ela também fala sobre drogas, maternidade, casamento, trabalho e ódio na internet. Nas primeiras páginas, ela explica o título:

“Este livro tem o título de Objeto Sexual não porque aprecio a ideia de me identificar como tal; tampouco o faço com falsa modéstia ou para me elogiar(…) Ao contrário de “escritora” ou “esposa”, “objeto sexual” não foi uma identidade que eu escolhi para mim, por mais que me tenha sido empurrada goela abaixo desde os 12 anos de idade; confesso que, para mim, usar essa expressão tem mais a ver com resignação do que com reivindicação. Mas somos quem somos”.

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O livro é um relato corajoso, honesto e nada pretensioso sobre como é ser mulher hoje – e, por isso também, uma leitura doída, que encontra eco e ressoa em quem, assim como Jessica não se conforma com este “mundo que odeia as mulheres”.

De Nova York, Jessica Valenti conversou conosco:

Ao longo do livro, você escreve sobre o seu despertar de consciência como feminista. Ser jornalista foi uma escolha para falar para o maior número possível de pessoas sobre a importância de se discutir o assunto?

Foi mais um chamado que uma escolha – eu sempre escrevi e não consigo me imaginar fazendo outra coisa. Mas sim, definitivamente há uma grande parte de mim que quer ser uma catequizadora do feminismo – para fazer as pessoas entenderem o quão poderoso, curativo e necessário o movimento é.

O livro conta traz muito dos seus relacionamentos, tanto casuais quanto os mais relevantes. Você acha possível ter um casamento monogâmico heterossexual sendo feminista?

Como alguém que está casada há quase uma década, certamente espero que sim! Eu realmente acho que o casamento – com um parceiro feminista – foi uma dádiva maravilhosa para o meu ativismo e carreira. Meu marido é meu maior apoiador. Acho que a expectativa de que todas as mulheres queiram se casar é sexista – e a instituição tem sido tradicionalmente patriarcal também. Mas isso não significa que os relacionamentos individuais das pessoas tenham que ser vítimas disso.

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Apesar de você contar suas histórias de maneira leve, seu livro é muito forte. Do início ao fim. Um dos momentos mais delicados para mim, como leitora mulher, foi quando você conta sobre o estupro que você sofreu quando estava bêbada. Por que você, como muitas outras mulheres que tiveram relações não consensuais com seus parceiros ou parceiros ocasionais, têm dificuldade em chamar o episódio de estupro?

Eu acho que é uma experiência incrivelmente comum – e é por isso que eu queria escrever sobre isso. Sou uma feminista de longa data – uma feminista profissional – e ainda assim tenho dificuldade em chamar essa experiência pelo que foi. Queria escrever sobre isso de uma maneira que explorasse o fenômeno sem julgamento.

Muitas narrativas feministas ficam restritas à auto-indulgência, à superação da culpa que sentem pelas experiências sexistas que foram expostas. Embora isso faça parte do processo de se tornar feminista, seu livro vai além disso – sem vitimização, você assume a responsabilidade por várias decisões e questiona as atitudes dos outros. Como superar a vitimização? Como as mulheres podem ultrapassar essa barreira?

Eu realmente acho que, de certa forma, nossos esforços para “superar” a vitimização têm sido parte do problema. Estamos tão desesperadas para não nos rotularmos como vítimas – mesmo quando somos – que sentimos falta de uma parte vital do processo de cura: admitir e discutir o que nos aconteceu. Isso é diferente, no entanto, do nos culpar, o que também ainda acontece bastante. Acredito que parte da forma como as mulheres podem parar de fazer isso é também responsabilizando o sistema. E se pudermos mudar a cultura, a forma como as coisas funcionam, as respostas virão.

Depois de discutir as opressões do patriarcado por tanto tempo, como você acha que é possível sobreviver em uma cultura que odeia as mulheres?

Nós sempre sobrevivemos (apesar de nem todas nós). O que precisamos olhar agora não é como simplesmente sobreviver, mas como prosperar. E esse é um processo muito mais difícil.

Tendemos a achar que sexistas são os outros – as empresas que não desenvolvem boas políticas parentais, Hollywood que não paga as mulheres de forma igualitária, os políticos que não permitem que representantes mulheres falem ou que não aprovem suas demandas. Mas nós mulheres sabemos que convivemos com pessoas sexistas- chefes, pais, irmãos, amigos, parceiros. Como lidar com a opressão quando vem de pessoas que amamos ou respeitamos?

Com certeza, e esses são os relacionamentos mais significativos para nós. Existem maneiras de mudar a opinião das pessoas que estão perto da gente – dando exemplos de comportamentos feministas, chamando a atenção para atitudes sexistas. Mas também acho que precisamos manter parte dessa energia ativista para não falar com paredes, não ficar dando murro em ponta de faca. Nós não faremos com que todos entendam; e isso é muito triste – mas é mais importante que nos concentremos no que podemos fazer.

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É impossível desassociar Nova York das experiências dolorosas e embaraçosas que você relata em Objeto Sexual. Você acha que crescer em uma cidade menor ou menos hostil teria salvado você de enfrentar o assédio tão cedo? Ou o que mudaria seria apenas o pano de fundo dessas histórias?

Acho que Nova York teve algo a ver com a frequência com que fui assediado, mas na verdade não acredito que as experiências de outras mulheres em outros lugares sejam tão diferentes das minhas. Conversei com mulheres de todo o país (Estados Unidos) que passaram por coisas semelhantes: mulheres em cidades pequenas, mulheres nos subúrbios, mulheres em áreas que consideramos “seguras”. A verdade, infelizmente, é que nenhum lugar é seguro para as mulheres. Ainda não.

Você conta que, desde a adolescência, você já respondia a comentários machistas que te incomodavam. Hoje, a internet é um alçapão diário de insultos – a última parte do seu livro é toda dedicada a eles e é chocante. Como você lida com esses ataques?

Terapia! Brincadeira, mas, honestamente, tive reunir forças e fazer da minha saúde mental uma prioridade por fazer este trabalho. Também tento me concentrar na maravilhosa comunidade de mulheres ao meu redor, feministas online e offline que me apoiam e apoiam outras pessoas. Acho importante que sejamos honestas em relação a esses ataques e que não finjamos que isso não nos atinge: atinge! Esse retorno virtual é horrível e impacta quem somos da mesma maneira que o assédio na vida real.

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