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Reféns do medo: Histórias de mulheres vítimas de violência doméstica

Por Redação Super
Atualizado em 3 set 2024, 10h24 - Publicado em 8 mar 2014, 09h25

Por Cacá Junqueira*

*Esta reportagem faz parte de um especial para o Dia Internacional da Mulher produzido por alunos de Jornalismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de São Paulo especialmente para a SUPER.

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“No começo há flores, perfumes e presentes, mas, com o passar do tempo, as flores murcham, o perfume acaba e os presentes se tornam agressões constantes”. Essa frase da cozinheira Roberta, de 35 anos de idade, é dita por ela desde os seus 21 anos, quando resolveu deixar a família para morar com o namorado. “Nós nos casamos e qualquer problema que tivéssemos, como a falta de dinheiro, ele dizia que a culpa era minha. Eu nunca comprava nada para mim, nem mesmo algo para agradá-lo. Para me ameaçar, brigava com nossas duas filhas. Meses depois que pedi a separação, entrou em vigor a Lei Maria da Penha e eu o denunciei. Foi a minha salvação e a das minhas filhas naquele momento, principalmente porque ele passou sete meses na cadeia por ter causado agressões físicas às crianças. Mesmo com o pedido de afastamento da justiça, ele ainda nos persegue”, conta.

Criada para coibir a violência doméstica e familiar, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) já é conhecida por 98% das mulheres brasileiras. Porém, estima-se que 700 mil brasileiras ainda continuam sendo alvo de agressões, conforme apurado pela pesquisa “Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher” divulgada pelo Senado Federal em março de 2013.

A delegada de polícia Vanderlene Suédy Bossan, da 2ª Delegacia de Policia de Defesa da Mulher, explica que o homicídio contra a mulher pode ser causado de duas maneiras. A primeira é chamada de “crime de momento”, quando o agressor mata por qualquer motivo, de uma hora para outra. A segunda é o “crime anunciado”, tipo de homicídio que leva algum tempo para ser concluído. Isto é, o homem causa difamação, ameaça, agride, até que provoca a morte da mulher.

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Para prevenir o homicídio no “crime anunciado”, a delegada deve auxiliar as vítimas que são ameaçadas de morte. É o caso da faxineira Fátima, que procurou a delegacia para receber orientação. “A primeira vez que eu fui à delegacia cheguei desesperada, chorando muito, mas me acalmei com amparo dos psicólogos. No dia anterior meu marido tinha saído para beber num boteco, dizia que queria ficar sem me ver porque eu causava enjoou nele. Quando ele voltou para casa estava bêbado, me obrigou a fazer comida e lavar a roupa dele. Eu não fiz nada disso. Na manhã seguinte acordei e levei um murro na cara. Cheguei a pensar que a culpa de toda a briga era minha, porque eu não tinha feito o papel de mulher – lavar, passar e fazer a comida –, mas pensei diferente e fui denunciá-lo”.

Para avaliar a situação do país em relação aos homicídios causados devido à violência doméstica, uma pesquisa realizada pelo DataPopular e o Instituto Patrícia Galvão traçou um panorama infeliz. Contabiliza-se 4,6 assassinatos a cada 100 mil mulheres. Segundo o “Mapa da Violência 2012: homicídios de mulheres no Brasil”, divulgado pelo instituto Sangari. o Brasil ocupa o 7º lugar no ranking de países com mais ocorrências desse tipo de crime.

Mesmo após sete anos da sanção da Lei Maria da Penha, completados no dia 7 de setembro de 2013, as mulheres ainda se sentem menores diante de um homem agressivo e violento. Aos prantos, a comerciante Lucilene, grita: “Chega de desgraça, meu Deus!”. Com um marido alcoólatra e um filho drogado dentro de casa, a vendedora de bijuteria sofre ameaças e agressões diariamente. Os golpes violentos deixam-na com marcas e rosto deformado. “Eu estou sem saída. Quando algum deles entra em casa depois de horas fora, às vezes dias, eu me escondo debaixo da cama, mas eles já descobriram meu refúgio”, conta. Assustada, a vítima relata que já foi encurralada na parede enquanto o filho lhe apontava uma faca.

O poder da mídia

Vanderlene acredita que a mídia e os famosos ajudam na incidência de atitudes configuradas violentas, ao mesmo tempo em que encorajam mulheres a denunciarem os abusos. “Há mulheres que alegam que os parceiros ameaçam-nas dizendo: ‘Vou fazer com você a mesma coisa que o Bruno [ex-jogador do Flamengo] fez com a Elisa”, conta a delegada. Contudo, há atitudes positivas. Para ela, a entrevista em que a apresentadora de TV Xuxa Meneghel relatou ter sofrido abusos sexuais na adolescência acendeu em algumas mulheres a vontade de denunciar. “Ao assistir a uma famosa desabafar sem medo o abuso sexual que sofreu na adolescência, as mulheres podem se sentir estimuladas a recorrer à queixa”, diz.

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Um caso parecido aconteceu com a filha de 17 anos de uma moradora do bairro de Itaquera. A garota sofria intensos abusos sexuais do padrasto, mas não tinha coragem de contar à mãe, que demonstrava estar apaixonada pelo marido. A informante do crime foi uma colega de sala, que frequentava a casa da menina. “Eu não sabia que acontecia isso com a minha menina. Só fiquei sabendo das agressões porque uma amiga dela, que foi visitá-la e assistiu todas as sem-vergonhices, alertou-a para me contar. Agora minha filha não sai de casa e não quer ser vista. Eu acabei com a vida dela!”, lamenta a genitora.

No Brasil, a cada cinco minutos uma mulher é agredida e os agressores são em 70% dos casos pessoas próximas, como maridos, companheiros, pais e namorados, segundo dados divulgados pelo Mapa da Violência 2012. A Central de Atendimento à Mulher (discagem por telefone ou aparelho celular para o número 180), também é outro canal de denúncia de violência doméstica e familiar. Segundo informações da Central, de janeiro a junho de 2013, foram registradas 306.201 ligações. Ao todo, foram mais de três milhões de atendimentos desde a sua implantação em janeiro de 2006.

O que eles dizem

Para estender o conhecimento masculino sobre os atos de violência contra a mulher, a pesquisa “Percepções dos homens sobre a violência doméstica contra a mulher”, realizada pelo Instituto Avon e o Data Popular, mostra que 56% dos homens já cometeram algum tipo de agressão contra uma companheira, sem saber que a atitude se caracteriza como violência.

O estudo revela que, no Brasil, 92% dos homens são favoráveis à Lei Maria da Penha. No entanto, 35% desconhecem a lei em quase sua totalidade. O mecânico João Antônio, de 52 anos, considera que os homens são pouco informados sobre a norma que protege as mulheres. “Elas conhecem porque a lei as favorece, mas nós [homens] não temos esse conhecimento. Acredito já ter causado alguma violência contra minha mulher, minha filha, até meu filho, mas são atos que consideramos educação de berço”, explica.

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“Eu já bati nela, mas não adianta, ela pode ter medo, vergonha e preconceito de viver comigo, eu vou continuar querendo ficar com ela.” diz o marido de Maria Eli, que frequenta ONGs de proteção à mulher. Maria fala que o limite está chegando, mas resiste porque dentro ou fora de casa as agressões vão continuar. “A minha vida, ou inferno como eu a chamo, começou a ficar tenebrosa quando eu resolvi arrumar um emprego. Meu marido é machista, eu não podia trabalhar. Para ele, eu deveria apenas cuidar da casa, mas quando me ofereceram um emprego, eu aceitei. Ele me trancava dentro de casa e não deixava eu sair por nada. Ficava presa por horas. Hoje eu frequento ONGs para receber orientação e ocupar minha cabeça com oficinas e cursos oferecidos pelo organizações”, conta.

Romance de ioiô

Na cidade de São Paulo existem nove Delegacias de Defesa da Mulher (DDM), especializadas em violência doméstica e familiar. A unidade de Itaquera, a 7ª DDM, chega a receber, em média, 60 vítimas por dia. Em datas comemorativas não religiosas – Dia das Crianças, Dia dos Pais e Dia das Mães – os boletins de ocorrência aumentam. São histórias como a da Viviane e Tereza, filha e mulher, respectivamente, de Carlos. Segundo o documento, elas “estavam esperando o pai e o marido chegar à residência depois de uma saída temporária da prisão”, quando o filho mais velho começou a discutir, “tendo ele em dado momento empurrado sobre uma mesa de vidro a irmã que dizia querer receber o pai em paz”.

Ou a de Rebeca, que vive um romance “ioiô”(cheio de idas e vindas) com José Roberto. Casados há onze anos, a mulher já o denunciou várias vezes à Justiça, mas sempre voltava atrás e retirava a queixa. Até que “ele chegou embriagado, exigindo que eu fizesse relação sexual com ele”. Nesse dia, José Roberto ainda xingou-a e foi para a casa da amante, que fez queixa no 190 por estupro. O romance, que não tinha fim, acabou em cadeia. José Roberto ficou em cárcere durante três meses, até que fugiu da prisão e foi procurar Rebeca. A ex-mulher retornou à delegacia, mas ficou com medo de dizer onde o “maldito” – maneira como ela o chama – estava se escondendo. Algumas mulheres, como Vitória, de 23 anos, não querem ser refém do medo. Com o pé direito para fora da delegacia, a jovem sussurra: “Encontrei o caminho. Consegui dar o primeiro passo”.

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