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Brasileiro encontra cinco aglomerados de estrelas anciãs

E essas estruturas, moradoras do "centro histórico" da Via Láctea, vão nos ajudar a desvendar a história da formação da nossa Galáxia

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 15h36 - Publicado em 2 jul 2018, 16h44

Há dois mil anos, o astrônomo, cartógrafo, matemático e teórico musical Ptolomeu (não é um currículo, é uma nota fiscal) registrou uma estrela bem maior que o normal no céu limpo de Alexandria, então a capital política e intelectual do Egito. É difícil imaginar o que eram as noites da época de Cristo, antes da eletricidade e da poluição. A dita cuja não só era visível a olho nu como competia pau a pau com a Lua. Ele mencionou essa gigante luminosa no Almagesto, um dos livros de divulgação científica mais influentes da Antiguidade. De lá, constava que podia ser vista nas costas do cavalo — o cavalo é a constelação do Centauro.

Hoje, esse pontinho que brilha muito tem nome e RG: Omega Centauri, NGC 5139. E já se sabe o porquê de tanto brilho: ele, na verdade, não é uma estrela só, e sim um conjunto de 10 milhões de estrelas idosas, que nasceram há 12 bilhões de anos e carregam consigo a história da Via Láctea. Esses asilos cósmicos são chamados de “aglomerados globulares”, e da descoberta de Ptolomeu até hoje, outros 150 deles foram identificados só na nossa Galáxia.

(Caso você tenha curiosidade de decifrar os códigos usados para identificar objetos no céu: “NGC” é a sigla do catálogo em que ele foi incluso. “5139” é o número dele no catálogo. Simples assim, sem segredo).

150 é um número razoável. Mas na astronomia, quanto mais, melhor. Muitos especialistas ainda caçam aglomerados anciões por aí, sempre em busca de respostas sobre o passado da Via Láctea. Um deles é o brasileiro Denilso Camargo. Na última quinta (28), o professor formado na UFRGS me mandou um e-mail comentando sua nova descoberta: usando os dados gerados pelo telescópio WISE, da NASA, ele encontrou cinco novos aglomerados globulares muito próximos do centro da Via Láctea — e publicou a descoberta em um periódico da Sociedade Americana de Astronomia. 

“Muito próximos” na escala cósmica é uma expressão difícil de entender. Eles estão a um raio de 4 mil parsecs do centro. O parsec é uma unidade de medida da qual nossa imaginação não dá conta, então vamos partir para uma boa e velha analogia: pense numa formiga caminhando sobre uma tela de celular (uns 15 cm). Agora suponha que esses 15 centímetros equivalem a um quilômetro, tudo bem? Para a formiga percorrer 1 parsec, nessa escala, ela precisaria ir e voltar de Netuno… 50 vezes. 4 mil parsecs? Bom, aí eu deixo na conta do leitor.

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Acontece que a Via Láctea é inimaginavelmente grande: tem algo entre 31 mil e 55 mil parsecs de diâmetro. 4 mil, para esses padrões, é merreca. Se a Via Láctea fosse uma cidade, os aglomerados descobertos por Camargo seriam moradores do centro histórico, onde os turistas circulam e há prédios antigos preservados. Esse centro histórico é um região arredondada e brilhante que atende pelo nome de “bojo”. Na foto abaixo, você pode ver o bojo de Andrômeda, outra galáxia espiral, similar à nossa (não existe uma foto da Via Láctea desse ângulo pelo motivo bastante óbvio de que estamos dentro dela).

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(Boris Štromar/CC BY 3.0/Wikimedia Commons)

O bojo é repleto de estrelas formadas quando o Universo era jovem. Elas são avermelhadas e contém basicamente hidrogênio e hélio. São as velhinhas do bairro. A juventude habita o disco, que contém estrelas enormes, quentes, jovens e azuladas, repletas de elementos mais pesados. E aí há o halo, que é a periferia distante, a zona rural: a esfera de brilho muito tênue que envolve tanto o bojo quanto o disco. A maior parte dos aglomerados globulares vive no halo, a grandes distâncias do bojo. Já os descobertos pelo brasileiro são exceções: fiéis moradores do centro velho.

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“São menos de 200 aglomerados globulares confirmados na nossa Galáxia. Por isso, a descoberta desses 5 aglomerados globulares por si só já é de grande importância”, explica Denilso. “Os aglomerados que descobri são muito velhos (idades entre 12,5 e 13,5 bilhões de anos) e pobres em metais [na astronomia, “metal” é qualquer coisa que não seja hidrogênio ou hélio]. Eles têm características parecidas com os aglomerados globulares do halo. Nesse sentido, a busca por aglomerados desse tipo pode ajudar a responder muitas das questões em aberto sobre a região interna da Via Láctea.”

(Não se preocupe se você não entendeu muito bem: nossa editora Ana Leonardi escreveu uma matéria incrível sobre aglomerados globulares em janeiro de 2017, que vai muito além do que expliquei. Se você se interessou, lá vai o link).

Vamos entender que tipo de pergunta a descoberta de Camargo pode responder. Há dois tipos de bojo: um é o que se forma violentamente, quando uma galáxia grande engole outras, menores (achou cruel? Pois saiba que a Via Láctea está engolindo a galáxia anã Sagitário sem dó, neste exato momento). Esse é o clássico. O outro, não tão canônico, é o que se forma aos poucos, estrela por estrela, ao longo de uns bons bilhões de anos.

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Por muito tempo se pensou que o bojo da Via Láctea tivesse sido fabricado à moda antiga, com sangue. Mas agora há modelos que dizem o contrário: eles propõem que nosso bojo não só é do tipo pacífico como tem uma forma peculiar, de ampulheta (ou de oito, assim: “8”. Ou amendoim com casca, daqueles de desenho americano. Fique com a metáfora que melhor lhe apetecer).

“São muitos os resultados que sugerem um bojo parecido com um amendoim para a nossa Galáxia, mas existem trabalhos contestando esses resultados”, diz Camargo. “Os aglomerados que descobri podem ajudar a solucionar a questão, visto que eles são verdadeiros fósseis vivos da formação das galáxias numa fase muito jovem do Universo. Eles foram os primeiros sistemas estelares a se formar.”

Conclusão? Na dúvida, entreviste os velhinhos. Eles sempre sabem o que aconteceu.

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