Entrevistamos os biohackers que criaram o colírio da visão noturna
Por Fabio Marton Semana passada, correu a notícia pela internet. Um grupo de biohackers americanos conseguiu implantar visão noturna em um voluntário e… peraí… biohackers? Parece que ninguém prestou atenção ao sujeito da frase. Não foram cientistas ligados a qualquer centro de pesquisa. O experimento não foi feito em laboratório, mas numa garagem. Os hackers […]
Por Fabio Marton
Semana passada, correu a notícia pela internet. Um grupo de biohackers americanos conseguiu implantar visão noturna em um voluntário e… peraí… biohackers?
Parece que ninguém prestou atenção ao sujeito da frase. Não foram cientistas ligados a qualquer centro de pesquisa. O experimento não foi feito em laboratório, mas numa garagem. Os hackers do corpo humano já são uma realidade, e o SUPERNOVAS foi falar com eles.
Mas essa vai precisar de uma introdução. Para quem não viu, o experimento, o grupo Science for the People – que só tem dois membros – pingou um colírio de clorina e6, insulina e dimetilsulfóxido (DMSO) nos olhos de Gabriel Licina. Clorina e6 é o princípio ativo, os outros dois eram para ajudar a absorção.
Licina então teve de usar lentes de contato pretas para evitar que seus olhos fossem feridos pela luz. No experimento, ele fez coisas como identificar com 100% de precisão pessoas escondidas no mato à noite, enquanto o grupo de controle só achava em 30% dos casos.
Não só Licina se tornou o primeiro caso de doping em esconde-esconde, como ganhou um visual arrasador para uma rave em Estocolmo em 1999
Se hoje hacker popularmente quer dizer alguém que muda a home page do XV de Jaú para colocar mensagens do Estado Islâmico, originalmente, o termo era mais positivo. Ele surgiu no MIT (Massachusetts Institute of Technology) nos anos 60, para falar de quem usava de truques para fazer as coisas funcionarem de um jeito interessante. Isso vinha com uma atitude de contracultura, contestar a autoridade e compartilhar tudo. Foram os hackers originais que criaram os computadores pessoais e ainda hoje há muitas atividades legais e um código de ética na comunidade hacker.
Um biohacker é alguém que, com formação científica ou não, faz como os hackers nesse sentido, modificando a si mesmos ou a outras formas de vida. Em 2001, o artista plástico brasileiro Eduardo Kac, criou um coelho fosforescente transgênico. Outros vão ao tatuador e implantam ímãs no corpo, que permitem perceber campos magnéticos. Entre os entusiastas, isso é chamado de grinding, modificar o próprio corpo com ciência amadora.
Biohacking é a forma prática do transhumanismo, um conceito que surgiu na ficção científica. É a ideia de fazer a espécie avançar integrando a tecnologia ao corpo. Se parece familiar, é porque foi um dos temas centrais da ficção científica dos anos 80 e 90, o cyberpunk, como em Neuromancer, de William Gibson. Os transhumanistas não veem isso como um pesadelo distópico, mas o melhor caminho para a humanidade.
Feitas as introduções – se é que você já não pulou direto até aqui – a entrevista com Gabriel Licina, respondendo em nome do Science for the Masses:
Quem é o Science for the Masses?
Atualmente, somos dois. Ambos começamos dois anos atrás. Gabriel Licina tem um diploma em biologia molecular da Universidade de Washington. Jeffrey Tibbets é um enfermeiro registrado que trabalha de dia num hospital. Ambos fizemos experimentos antes disso.
Como vocês definem o biohacking?
Biohacking é um termo amplo. De um lado, há as pessoas fazendo síntese proteica em suas garagens. De outro, você tem hackers corporais, que seguem um programa de melhorias com exercício, períodos de sono e tipos interessantes de suplementos alimentares. Estamos em algum ponto no meio. Tornamos as coisas acessíveis. Pegamos a pesquisa disponível, e a levamos para o próximo passo. Modificação com um propósito.
Vocês se consideram transhumanistas?
Temos uma relação complicada com os transhumanistas. Dependendo do estado de espírito, você pode nos ouvir dizer que grinding é uma forma prática de transhumanismo. Em outros dias, vamos falar que você só é um transhumanista se está trabalhando com alguma coisa, o que, no caso, quer dizer que nós merecemos o termo um pouco mais que gente que só blogueia sobre as últimas descobertas tecnológicas ou escreve ficção científica.
Vocês acreditam que a humanidade é defeituosa? Que deve ser melhorada pela ciência? De que formas?
Cremos que as pessoas são defeituosas, mas de formas normais. Ganância e falta de visão. Mas acho que o que você está perguntando tem mais a ver com aceitar como a evolução funciona. Estar vivo não quer dizer que você é a espécie mais incrível, o auge de todas as coisas. Estar vivo quer dizer que sua espécie conseguiu não morrer tanto quanto as outras. Quando você olha dessa maneira, não estamos no topo, estamos mal e porcamente patinando no mesmo lugar, como todo o resto. O que significa que há espaço para muita mudança.
Está no nome do grupo: Ciência para as Massas. Vocês acreditam que estamos caminhando para uma situação como nos livros de William Gibson, em que hacks e melhorias cibernéticas podem ser compradas na loja da esquina (ou o mercado negro)?
Biologia é difícil. O lance do ímã, qualquer um pode fazer isso se seguir o protocolo e usar seu cérebro. É um hack, porém minúsculo comparado com o que as pessoas querem. Você mencionou Gibson. Ele é famoso pela frase: “as ruas acham seus próprios usos para as coisas”. As pessoas vão continuar a explorar e criar coisas. Outras vão achar usos para essas coisas que ninguém pensou. Assim são as pessoas.
Teve algum risco na experiência? Ela passou por testes com animais primeiro?
Houve estudos anteriores que envolveram testes com animais. Também pesquisamos um monte – sério, um monte – antes de testarmos qualquer coisa. Tentamos ter todas as bases cobertas antes de seguir em frente.
Seria possível que a mesma experiência fosse conduzida hoje num ambiente acadêmico? Quero dizer se seria aceitável em pesquisa formal que se passasse agora a testes humanos
É… provavelmente não. Com os materiais envolvidos, fazer testes humanos seria super difícil. Eles teriam que passar por uma comissão de ética, provavelmente a FDA [Nota: Food and Drug Administration, mais ou menos como o Ministério da Saúde no Brasil]. Seria um pé no saco. Esse é um lance legal com experimentar consigo próprio. Ninguém pode me fazer abrir um processo legal contra mim mesmo
Qual será a próxima experiência?
Bem, temos feito muitas coisas já por dois anos. Nossos primeiros projetos foram com visão próxima a infravermelho. Isso foi intenso e ainda estamos escrevendo sobre os resultados. Também criamos capas para implantes intradermais e algumas outras coisas que não me lembro agora. O próximo passo é juntar dados confiáveis sobre o projeto atual, de forma que possamos ter resultados quantificáveis. Também estamos trabalhando com biocoberturas e pensando em fazer crowdfunding para uma máquina que precisamos para um trabalho sério de biologia.