É meio um trauma de infância para todo mundo. A gente começa a aprender evolução e topa com as criaturas que deram origem a nós, como os australopitecos e vários Homo que não sapiens. Para nosso grande horror, eles pareciam assim:
Coitados de nossos ancestrais. Eles eram quase tão feios quanto as fotos que meus amigos insistem em me taguear no Facebook. Parece bobagem, mas é importante. É mais difícil convencer as pessoas a aceitarem a evolução quando se diz que elas descendem de criaturas ridículas.
Com todo o respeito ao artista, a manjada caminhada da evolução e outras reconstituições clássicas representam nossos ancestrais como toscos e inexpressivos. Suas feições sisudas e angustiadas fazem parecer que eles estão sofrendo em esperar o dia em que se tornarão humanos. “Artista” é uma palavra-chave aqui. Estamos falando em arte, em como uma pessoa específica enxerga subjetivamente o seu tema. E nossos ancestrais serem horrorosos tem a ver com uma ideia antiga, falsa e persistente: que nós somos o ápice da evolução e os outros primatas são o meio do caminho.
Os ancestrais humanos são vistos como humanos imperfeitos. Meros degraus na escada que levaria a toda nossa glória como os donos da Terra, o mais alfa dos predadores alfa. Mas como seria se você topasse com um australopiteco real?
Não seria impossível. A evolução não funciona em linha reta, mas como uma árvore que se divide em muitos galhos. Calhou que todos os galhos na nossa família, exceto por nós mesmos, foram quebrados. Ou melhor, não: estão aí até hoje os nossos primos mais próximos, os demais hominídeos – e, sim, o nome da família dos gorilas, chimpanzés, bonobos e orangotangos é Hominidae. Os ramos extintos são a base do galho que é só nosso, os demais hominídeos bípedes. Mas nem todo australopitecíneo está na linhagem humana, e não é impossível pensar que algum deles poderia ainda estar por aí. Seria um primo ainda mais próximo do que o chimpanzé.
Um motivo por que nossos ancestrais parecem feios em reconstruções é que raramente são retratados de forma expressiva. Essas imagens são funcionais, existindo apenas para ilustrar um ser meio homem, meio macaco. Meros animais. Brucutus, trogloditas, simples, brutos e estúpidos.
Essa concepção defasada sobre os primatas aparece cem anos atrás, neste cartaz da Primeira Guerra Mundial:
Tudo o que aprendemos sobre os grandes primatas nas últimas décadas contradiz esse estereótipo. Nossos primos podem ser ocasionalmente violentos, mas não é a característica mais marcante neles. São seres com vidas sociais surpreendentemente complexas, muito mais inteligentes do que se pensava e capazes de sentir e expressar uma ampla gama de emoções. Não dá para saber com certeza, mas, como isso está presente em toda a família, essas características possivelmente já estavam no ancestral em comum.
Um australopiteco, assim, seria não apenas tão inteligente e sensível como nossos primos vivos, mas tão ou mais carismático do que eles. Tendemos a ver carisma nos animais que se parecem mais conosco, como golfinhos, elefantes e chimpanzés. São animais inteligentes, que interagem intensamente com as pessoas. Pode ser que o australopiteco não falasse, mas teria uma face muito expressiva, e quase certamente mostraria curiosidade pelas pessoas e seria capaz de se apegar, como chimpanzés e gorilas em pesquisas.
Felizmente, as reconstruções têm sido atualizadas. O bonitão abaixo, feito em computação gráfica, rendeu um prêmio ao paleoartista John Gurche:
Um sorriso muda tudo. O que surge é um grande primata inteligente, que tinha vida e sentimentos complexos. Não um projeto de ser humano, mas um sucesso evolutivo, perfeitamente adaptado a seu meio. Os australopitecos viveram por milhões de anos, muito mais do que os meros 200 mil em que estamos aqui. Até uma linhagem deles tomar o rumo que veio dar em nós. E começar a se achar o bambambã da natureza.