O 1º Brexit: pesquisa revela como surgiu a Ilha da Grã-Bretanha
Há 450 mil anos, o canal da Mancha era um deserto árido e gelado. Até que a água separou o Reino Unido do resto da Europa pela primeira vez
A vida diplomática é muito, muito lenta – e os divórcios de países são quase tão difíceis quanto os de casais. Vide a polêmica que aconteceu em junho de 2016 na terra dos ônibus de dois andares: 51,9% da população britânica aprovou a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), mas, desde o começo, a previsão era de que o processo só se completasse em 2019. O ano chegou, e nada do partido de Theresa May, a primeira-ministra, conseguir consenso para avançar com o Brexit. Agora, May anunciou sua renúncia – até ela saiu… E nada de sair o Brexit.
De fato, já passou tanto tempo desde a aprovação do projeto que uma parte dos 1,9% que foram responsáveis pela vitória acirrada do Brexit já até se arrependeu – e quer voltar para os braços da Europa depois de uma consulta rápida no Google (“O que é a UE?” foi a segunda busca mais comum no dia após o resultado).
Mas se serve de consolo, há algo de destino no resultado do referendo: a separação da ilha da Rainha Elizabeth II do resto do continente já havia começado há 450 mil anos, ao final de uma era do gelo. E mesmo o caos que Theresa May enfrentou nos últimos meses não foi maior do que as cachoeiras apocalípticas e a inundação bíblica que rolaram naquela época.
Há meio milhão de anos, o ser humano ainda não existia. A estreita faixa de água que hoje corresponde ao canal da Mancha era uma planície seca, árida e gelada, com gramíneas e um ou outro arbusto sem maiores pretensões de virar árvore. Um pouco acima da latitude em que hoje se situa a capital Londres, o gelo já tomava conta tanto do continente quanto da superfície do mar – de trenó, seria possível transpor o litoral acidentado de países como Noruega, Dinamarca e Holanda sem sequer notar as mudanças no relevo.
Aqui, vale uma nota: o clima terrestre é cíclico, e análises geológicas confirmam a existência de pelo menos cinco eras glaciais na história do planeta. No mapa-múndi abaixo, você pode ver a estranha geografia da Europa no período: as áreas azuis eram gelo, as verdes, terra, e o branco, mar.
Moral da história? Devagar e sempre, todo o gelo que estava estacionado no norte do continente virou água. E a água, graças à física, gosta de escorrer para lugares mais baixos – no caso, o inocente vale que separava o berço dos Beatles da terra do croissant. Imensas cachoeiras começaram a se derramar no que hoje é o litoral francês, e o impacto dessa quantidade monumental de água no solo deixou cicatrizes de 140 m de profundidade e 4 km de diâmetro recém-descobertas por uma equipe de geólogos do Imperial College de Londres. O artigo foi publicado na Nature Communications.
“Nós encontramos esses imensos buracos e depressões no leito do estreito de Dover [nome da parte mais estreita do canal da Mancha]”, afirmou Sinjeev Gupta, co-autor do estudo que investigou o ‘Brexit 1.0’, ao jornal britânico The Guardian. “E acreditamos que elas sejam erosão nas rochas do fundo, ‘piscinas’ criadas pela pressão das quedas d’água.”
Os pesquisadores também lembram que o primeiro round de apocalipse localizado estilo Michael Bay não foi suficiente para separar completamente a Inglaterra do resto da Europa: uma inundação posterior, de “só” 160 mil anos de idade, teria completado o serviço. Nada de novo na história contemporânea – só mais um capítulo de uma longa, longa história.