O livro A Outra História, de Tatiana de Rosnay, trata de um tema pesado: o lado obscuro do sucesso. À medida que as palavras correm, é possível compartilhar do cansaço do protagonista Nicolas Duhamel, um autor frustrado de best-seller.
Carregando a responsabilidade de ser um prodígio triunfante, uma promessa para o futuro da literatura, Nicolas sente em suas costas o peso espinhoso do sucesso. Ele está saturado, ansioso, pensando em um milhão de coisas – quando não deveria estar pensando em nada. Ou melhor: deveria estar pensando em como dar prosseguimento ao seu próximo livro, que surgiu como uma obrigação mercadológica para quem já conseguiu bons números de vendagem. Toda essa expectativa cruel que paira sobre o jovem escritor e põe em cheque sua vaidade, contrastando com as vantagens e desvantagens da fama.
A inspiração é como uma brisa fresca que rouba o calor de um rosto em transe sob o sol escaldante das três da tarde. Ela é espontânea e instantânea. Vem, como quem não tem pretensão alguma, meio sonsa, deixando os sorrisos espalhafatados com seu frescor. E foge. Depois de do encanto e do estrago, de dançar com os semblantes, a maldita foge. Grosseira! Vai embora do mesmo jeito que chegou – como um sopro. E que tolice seria tentar aprisionar um punhado de vento dentro de uma gaveta, uma caixa, uma gaiola, um caderninho de anotações que você comprou só porque a capa era uma gracinha, mas acabou nem usando tanto assim.
Obcecado pela fama, Nicolas, ante o desespero de atender às expectativas alheias – dos fãs, dos rivais, da família, da namorada –, põe em cheque a desmitificação do processo de escrita: de que se constitui a boa literatura? Como se desenrola o processo literário? Seria a inspiração a mãe de toda obra de qualidade? Ou há outro fator por trás, quem sabe empenho e disciplina? Como conciliar a dita inspiração, consistida na mais pura volatilidade, com métodos rigorosos de escrita?
Alphonse de Lamartine foi um poeta francês cujos escritos basearam e difundiram o Romantismo pela França e pelo mundo. Ele costumava dizer que um de seus melhores poemas tinha sido fruto da mais pura inspiração, que ele havia sido acometido por uma espécie visão transcendental e divina e blá blá blá. Após a sua morte, passaram a pesquisar e rever a sua obra: encontraram, porém, um contraste. Resgataram inúmeros rascunhos daquele poema, que foi escrito e reescrito ao longo de dez anos.
Ao falar da luta de um artista por inspiração, A Outra História acaba revelando a luta por identidade em todos nós.