Já está nas lojas, em DVD e Blu-ray, o filme Os Miseráveis, de Tom Hooper, que saiu na telona em 2012. Baseado no romance homônimo de Victor Hugo, a obra é uma crítica aos rumos da França pós-revolucionária, fundamentada nas frustrações do autor quanto às injustiças sociais que apenas se acentuavam no país. Mas, por se tratar de um livro do período Romântico, Os Miseráveis explora os sentimentos e conflitos psicológicos dos personagens, arrebatados a todo momento por paixões estonteantes.
Um pouco de contexto: o começo do século 19 parecia muito promissor aos franceses. No final do século anterior, o movimento popular conhecido como Revolução Francesa tomou as ruas de Paris, depôs e executou o rei e pôs fim ao absolutismo monárquico que oprimia grande parte da população, hasteando uma bandeira que anunciava tempos de prosperidade e liberdade. A euforia apenas aumentou quando, dez anos depois, o jovem general Napoleão Bonaparte, nascido nas camadas plebeias da população, assumiu o comando do país e colocou de joelhos os países europeus, absolutistas e avessos aos ideais de igualdade, fraternidade e liberdade.
Mas a realidade retratada em Os Miseráveis difere muito do otimismo descrito no trecho anterior. A justiça, representada por uma mulher cega com uma balança nas mãos, parece não medir corretamente os atos de Jean Valjean (Hugh Jackman), condenado a 19 anos de trabalhos forçados apenas por roubar um pedaço de pão. Seu martírio é acompanhado de perto pelo carcereiro Javert (Russel Crowe), que dele não sente piedade. Ao contrário, vê a punição do prisioneiro 24601 (o número pelo qual Valjean é tratado) como a confirmação da eficiência da lei. Mesmo tendo liberdade condicional decretada, Valjean não consegue se reintegrar à sociedade, pois a sina do “crime” que cometeu paira sobre ele. Num ato de desespero, o ex-cativo rouba a prataria de um bispo que o acolhe durante uma noite. Para sua surpresa, o religioso não o denuncia, e ainda o presenteia com mais peças de valor, sob a promessa de que estas serão usadas para o bem.
Os anos se passam. Jean Valjean, sob uma nova identidade, enriquece e se torna um homem eminente na sociedade. Uma confusão de sua parte, porém, acaba por deixar sem emprego a operária Fantine (Anne Hathaway), que, para sustentar a filha Cosette (Amanda Seyfried), se vê obrigada a recorrer à prostituição, situação que a deixa à beira da morte. Ao saber das consequências de seu ato, Valjean se oferece para criar a menina, ao mesmo tempo em que um inesperado encontro com Javert pode colocar todo seu progresso na vida a perder…
O diretor soube explorar o turbilhão de emoções intrínseco ao período, traduzindo-o em canções que fariam o mais duro dos marmanjos deixar escapar uma lágrima. O carro-chefe do musical, muito explorado nos trailers, é a atuação de Anne Hathaway, que, embora curta (não mais que quinze minutos), traz a interpretação brilhante de I Dreamed a Dream, cena que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.
Jackman também surpreendeu, interpretando um Valjean bastante transtornado, enquanto Crowe ficou um pouco abaixo, com uma atuação digna não pela música, mas pela firmeza com que interpreta Javert. O papel de Cosette para Seyfried, tipicamente romântico, não permitiu maior destaque, assim como ao seu par, o revolucionário Marius (Eddie Redmayne), enquanto a terceira peça desse triângulo amoroso, Eponine (a estreante Samantha Barks), se mostrou bastante expressiva, apesar da curta participação.
Destacam-se as atuações caricatas de Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen como o casal de taverneiros pilantras, bem como a dos atores mirins Isabelle Allen (a criança Cosette) e Daniel Huttlestone (Gavroche, o pequeno revolucionário). Na emocionante cena do enterro do General, na qual o povo conspirador canta em uníssono Do you hear the people sing?, merece destaque também o ímpeto exprimido pelo ator Aaron Tveit, o líder da revolta.
Apesar de ser baseado em uma obra de quase duas mil páginas e de ser cerca de 85% cantado, Os Miseráveis impressiona pela fluidez. A criação visual, como é típico dos musicais, constitui um dos carros-fortes da produção, destacando-se as reconstruções de ruas de Paris, o uso de grande quantidade de figurantes, o figurino de época e a maquiagem expressiva, responsável pelo Oscar de Melhor Maquiagem e Cabelo.
Pode-se dizer, com uma boa certeza, que Os Miseráveis reunia todas as qualidades para ganhar o Oscar de Melhor Filme. Só não ganhou porque, na minha opinião, o Oscar 2013 foi um dos mais fortes de todos os tempos (o vencedor foi Argo, de Ben Affleck). Se você ainda não viu, corra para comprar seu DVD: será uma das experiências únicas em sua vida.