Os quadrinhos, com seus super-heróis de façanhas absurdas e as novelas, com suas vilãs ambiciosas, nos mostram um mundo polarizado, maniqueísta, palco da eterna disputa entre bem e o mal.
Na vida real, contudo, a linha que separa o bem do mal é muito tênue – não há luz sem sombra. Se os heróis são aquelas criaturas bondosas e altruístas e os vilões são compostos da mais pura maldade premeditada, então os anti-heróis formam uma classe à parte, que se localiza ali, entre o branco e o preto, equilibrando os extremos.
Numa mistura de justiça e vaidade, os anti-heróis são criaturas complexas, que balançam entre fazer o que é “certo” e atender aos próprios interesses. Confira abaixo os 5 anti-heróis mais interessantes da ficção.
1 – Dr. House
Gregory House, persona assumida pelo ator britânico Hugh Laurie, é um médico tão inteligente quanto arrogante. De personalidade ácida, ele implica – muitas vezes, propositalmente – com colegas e pacientes, sempre cético e sarcástico.
O estilo de House é bem conhecido: direto e sem meias palavras, ele não poupa os familiares de seus pensamentos politicamente incorretos. Também não se importa em confortá-los. Seu objetivo é sempre buscar o diagnóstico correto, ainda que isso custe o ódio de todos à sua volta. É uma personalidade bem complicada – tanto é que muitas pessoas da área médica questionam a ética do personagem.
Mesmo House sendo irritante e ofensivo, toda a sua agressividade, no fundo, esconde um menino frágil e inseguro.
2 – Hit Girl
Interpretada por Chloë Moretz na adaptação de Kick-Ass para os cinemas, a personagem apresenta um intercâmbio entre a inocência e a violência. Usando armas letais e uma peruca roxa à la Polly Pocket, Hit Girl explode, mata e destrói se escondendo por trás de uma faceta pueril, borrando as linhas que separam a acidez da candura.
Os quadrinhos de Mark Millar, geralmente feitos já pensando em Hollywood, costumam ter arcos simples e eficientes para seus personagens. No caso de Hit Girl, que é coadjuvante, a história é bem clara: ela é uma menina de 11 anos cujo único lazer sempre foi a violência e que cresceu achando isso normal.
Mas é claro que isso muda: na primeira graphic novel, ela precisa lidar com o fato de ter perdido o pai. Na segunda, ela precisa balancear seu lado Hit Girl com o desejo de manter feliz seu pai adotivo. Nesses momentos, o leitor consegue enxergar além da lutadora sanguinária e enxergar a menina que precisa lidar com questões difíceis na vida.
3 – Macunaíma
O protagonista deste clássico da literatura nacional se caracteriza como um anti-herói típico. Seu criador, Mário de Andrade, tentou fazer um resgate das origens do povo brasileiro, brincando com estereótipos: Macunaíma, preguiçoso e malandro, representa, de maneira cômica, o homem do Brasil, em uma crítica às idealizações do Romantismo indianista. O seu dizer mais famoso é “Ai, que preguiça!”.
Apesar de carregar o fardo terrível de ser “livro de vestibular”, Macunaíma merece uma segunda chance. O livro é divertido e o herói, irônico. Vale imaginar o que Macunaíma, que tanto criticava os trejeitos do português de Portugal, iria achar da gente comprando smartphone e falando top.
4 – Tyler Durden
Interpretado por Brad Pitt em Clube da Luta, adaptado do livro de Chuck Palahniuk, esta persona icônica se tornou um dos maiores símbolos da cultura pop atual. Com discurso anárquico e anti-materialista, Durden é violento, sujo, nebuloso e cativante. Ele surge como um fundador do Clube da Luta (e suas filiais), mas sua retórica é tão sedutora que outros homens começam a segui-lo. Logo, ele está no comando do Projeto Destruição, que pretende explodir um monte de prédios.
Todo mundo conhece o plot twist de Clube da Luta, mas a questão é que, mesmo se ele não existisse, Tyler ainda seria um personagem fascinante. Ele é autoconfiante, livre, seguro, inteligente, sempre pronto para tudo. Ele nunca propõe amor e conciliação, e sim luta e destruição, e vira um ícone do combate ao sistema. E nós o amamos porque ele é capaz de convencer qualquer um de que suas ideias distorcidas estão certas e, além disso, ser amado por causa delas.
5 – Seu Madruga
O pai de Chiquinha vive se esquivando: do aluguel atrasado, cobrado pelo Seu Barriga, e das bofetadas, lançadas por Dona Florinda. Malandro, Seu Madruga vive repreendendo o Chaves, levando, muitas vezes, o episódio ao seu clímax. Apesar de sempre mal humorado e implicante, é um homem de coração afável.
Existe um motivo óbvio por que Chaves é um clássico na América Latina, mas não em outros lugares do mundo: o complexo de vira-lata do Seu Madruga, com sua pobreza e sua malandragem sendo compensados pelo seu coração enorme, são a cara dos nossos povos. O brasileiro, especificamente, é um povo de prazeres imediatos, que financia tudo em 200 prestações para poder aproveitar o presente e jogar a preocupação para o futuro. Mas que não se importa em fazer algo incômodo só para agradar a família e os amigos.
Seu Madruga, também um grande filósofo, é a epítome desse estilo, sempre criando trambiques para se dar bem e, curiosamente, se dando mal quando tenta arrumar um emprego de fato. O que ele recebe em troca de ser assim? O amor incondicional da filha e a paciência eterna de seu credor.