Muitas vezes, quando começo um livro, demoro um tempinho para terminar. Isso quase aconteceu com Acordar Outra Vez (R$ 44,90, 344 páginas, Ed. Globo Livros), porém, depois do primeiro capítulo, simplesmente não consegui desgrudar dele. A escrita de Joshua Ferris é atrativa e fluida, com um equilíbrio certeiro entre o humor negro e o senso crítico que prende o leitor à narrativa quase instantaneamente.
A história conta em primeira pessoa como Paul, dentista, fã de beisebol, ateu convicto e alheio a todas as redes sociais, vê sua rotina sagrada e sem-graça ser abalada quando uma conta misteriosa na internet começa a se passar por ele. Pior ainda, a tal conta espalha mensagens sobre uma religião da qual ninguém sequer ouviu falar. Conforme as pessoas do convívio de Paul começam a questionar a identidade real do usuário, ele acaba por perceber que talvez o seu “eu” falso da internet seja melhor do que quem ele realmente é.
Como personagem, o dentista é arrogante, egocêntrico e talvez até preconceituoso demais em relação às crenças dos outros. Mas seu humor sarcástico é perspicaz e convincente, principalmente quando se trata de sua visão sobre si mesmo. De longe, uma das melhores coisas do livro é conferir suas piadinhas sobre tudo – créditos aí às personagens secundárias, Betsy e Connie, esta última a ex-namorada de Paul. Ambas trabalham no escritório odontológico dele e são vítimas de sua amargura e seus constantes questionamentos em relação a moral e fé.
Com a ajuda de flashbacks intercalados (um elemento bem utilizado ao longo da narrativa), começamos a entender o passado drástico do dentista e as sequelas que isso deixou em diversas áreas de sua vida: vemos seu exagero nos relacionamentos, a vontade desesperada que ele tem de ser amado e a sua consequente desistência de mudar sua rotina, que obviamente o deixa infeliz por ser incapaz de abandonar velhos hábitos e sentir-se emocionalmente satisfeito.
O personagem é tão bem construído que, se o que tivéssemos aqui em pauta fosse uma análise psicológica, não seria difícil entender as surpreendentes mudanças de alguns pontos de vista de Paul a certa altura do livro. Aos poucos, ele se envolve mais do que poderia imaginar em toda a trama religiosa do tal usuário misterioso.
Infelizmente, no entanto, a partir da reta final, a coisa toda perde uma parte do fôlego. A história começa a se arrastar e chega a uma conclusão que pode ser um pouco decepcionante para quem esperava maiores emoções, como foi o meu caso, ainda que não deixe de ser um tanto poética. Ao todo, é uma leitura agradável que vale à pena fazer parte da sua biblioteca.