Um dos fatos mais aleatórios da minha vida até agora – e um dos que eu mais gosto – é que a minha grande paixão por David Bowie surgiu por meio de Lindsay Lohan. O motivo foi o filme Confissões de uma Adolescente em Crise (2004), que girava em torno dos transtornos de duas amigas lidando com as mudanças em suas vidas, principalmente com o término de sua banda favorita.
Eu podia me identificar muito com as protagonistas. Gay, mesmo que na época isso não fosse muito claro, e já demonstrando sinais de um transtorno de ansiedade, músicas eram uma válvula de escape e mudanças eram meu maior pesadelo.
Ainda assim, foi justamente por meio de mudanças que David Bowie entrou em minha vida. Em determinada cena do filme, a personagem de Lindsay Lohan canta o clássico “Changes” numa montagem moderna da peça Pigmalião – popularizada pelo filme Minha Bela Dama (1964). Eu não conseguia tirar aquele refrão da minha cabeça e eu precisava de mais. Imagino que a minha reação quando eu descobri a mente original por trás da canção tenha sido semelhante à dos jovens britânicos na década de 70 quando viram o extravagante Ziggy Stardust pela primeira vez no horário nobre da TV.
Um britânico pálido, esguio, de olhos diferentes, com cabelo laranja flamejante e vestindo roupas estranhas. Naquele primeiro contato, David Bowie não fazia sentido nenhum pra mim, mas a identificação foi imediata – talvez porque eu não fazia sentido nenhum para mim mesmo. É preciso entender os fãs para entender o astro do rock e Rob Sheffield sabe bem disso ao escrever David Bowie: Uma Vida em Canções (Globo Livros, 304 pgs., R# 34,90).
Além de seu enorme repertório de referências musicais, o editor da revista Rolling Stone usa, acima de tudo, suas vivências para narrar as diferentes fases da carreira do cantor. Mesmo explorando um álbum em cada capítulo, Sheffield não se prende à ordem cronológica. Ele vai e volta no tempo para explicar a história do astro e de seus principais personagens: Major Tom, Ziggy Stardust, Aladdin Sane e o Thin White Duke. Entretanto, ele não se deixa perder em meio às cores vibrantes e ao glitter da persona que Bowie fez de si mesmo.
A figura do “Camaleão do Rock”, termo que a mídia insistiu em empregar ao longo das gerações, é humanizada. O autor destrincha o despedaçado David Robert Jones de Brixton à grande farsa glam e sedenta por atenção que ele nunca negou ser – e que provavelmente foi o verdadeiro motivo para os fãs se apaixonarem.
O que seria uma simples biografia ganha uma profundidade poética nas palavras de Rob Sheffield, coisa que só um fã poderia fazer. O livro tem um tom de bate-papo descontraído com um amigo que compartilha da mesma obsessão que a sua. Usar experiências particulares como forma de contar a vida de David Bowie dá ao texto o tom de confidência sempre presente nas obras do homem nas estrelas: “Eu tinha que ligar para alguém, então eu escolhi você. / Ei, que bizarro, então você o escutou também!”