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A ciência dos preços

Todo mundo sabe que promoções são truques para nos fazer gastar mais e que preços terminados em "99" são tática manjada. Mas a verdade é que elas - e tantas outras - funcionam e nos fazem comprar mais, consumir mais. E nos deixam mais felizes. Saiba por quê.

Por Felipe van Deursen
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 28 ago 2011, 22h00

Um fuzileiro naval americano a serviço nas Filipinas quis comprar um cacho de bananas de um nativo que trabalhava perto da base. O sujeito vendia um cacho a 10 centavos e três por 35. O marine tentou explicar que o preço estava errado. “Veja, vou comprar um cacho. Aqui está uma moeda de 10”, explicou. “Vou comprar um segundo cacho, aqui está outra moeda. Agora quero um terceiro, eis mais 10 centavos. Pronto! Três cachos por 30 centavos. Mas você queria me vender por 35!” O filipino o encarou. Parecia não entender. Só com insistência os militares conseguiram comprar os três cachos por 30. Com o passar dos dias, convenceram-no a vender três por 25, pois isso impulsionaria as vendas de banana.

O fuzileiro sentiu-se um gênio. E assim ficou por semanas, até encontrar o vendedor no centro da cidade – onde vendia o cacho a 3 centavos.

A anedota reúne algumas das mais populares práticas aplicadas para definir os preços das coisas. E a ciência busca compreender, por meio dessas táticas, as relações comportamentais entre consumidores, vendedores, números e valores para explicar por que esse relacionamento tem forte carga emocional. Quer ver? Pegue a 2.55, uma emblemática bolsa da Chanel. Ela pode custar cerca de R$ 6 mil e não parecer tão cara assim. Como? Nada a ver com o fato de a pessoa do outro lado da vitrine ser rica ou pobre. A explicação pode estar no caso de uma mera máquina caseira de fazer pão.

Preço âncora: é tudo relativo

A Williams-Sonoma, rede de lojas americana especializada em produtos para a cozinha, vendia uma máquina de pães por US$ 279. Foi um fracasso. Mesmo assim, lançou uma nova versão, pouco maior, a US$ 429. Novo fracasso. Mas algo curioso aconteceu: a partir de então as vendas do aparelho de US$ 279 dobraram. Isso é o que consultores de preço chamam de ancoragem, fenômeno em que, ao estimar o valor numérico de algo, as pessoas são inconscientemente influenciadas por outros números relacionados. Quer dizer, um eletrodoméstico custar US$ 279 pode soar extravagante. Mas, se o consumidor sabe que a versão um pouco maior é mais de 50% mais cara, o preço fica mais interessante.

A ancoragem foi descoberta em 1974 pelos psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman – que chegaria a ganhar o Nobel de economia. “Kahneman contestou a teoria do Homo economicus, ser racional que sempre pensa em como maximizar seus interesses”, diz Alcides Leite, professor de economia da Trevisan Escola de Negócios. “Pessoas não são tão racionais assim ao comprar.”

Voltando à Chanel: em 2007, ela lançou uma bolsa de couro de jacaré, toda trabalhada em diamantes e ouro. Um luxo. Preço: US$ 260 mil. Perto dessa, a 2.55 – que além de tudo é um clássico da moda, com sua alça de corrente mundialmente imitada – vira pechincha.

A ancoragem é comum em lojas chiques e restaurantes caros. O Serendipity 3, de Nova York, tem no cardápio um sundae que custa R$ 1 580 bem perto de um cheese cake oferecido a R$ 35. Bela estratégia para convencer a clientela, enquanto espera uma celebridade aparecer no restaurante, a pagar pela sobremesa quase o preço de um prato principal.

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Mas não é só lugar badalado que usa e abusa da psicologia dos preços. O prato-feito da esquina também. Muitas vezes ele o induz a escolher exatamente aquilo que quer que você escolha. Pense em um filé com fritas. Pequeno, R$ 15; médio, R$ 20; grande, R$ 22. Se a fome for grande, você tenderá a escolher o maior prato porque proporcionalmente ele é mais barato. O restaurante pode cobrar menos, pois a quantidade de comida no prato não interfere tanto assim no custo (há outras partes envolvidas, como mão de obra, energia elétrica, gás, água etc.). Cobrando menos, o restaurante o leva a pedir logo o maior prato. É o chamado “menu induzidor”, que faz parte de um conceito largamente usado para conquistar o consumidor: o preço não linear.

O barato da liquidação

No comércio de produtos de alto consumo, de meias a detergente, de camisinha a sabão em pó, é mais comum vermos exemplos notórios de preços não lineares. Preço não linear é o fenômeno em que o preço final que se paga não sobe proporcionalmente à quantidade de produtos e serviços que se leva. É o famoso “compre 2, leve 3”. Não ver uma placa com essa instigante mensagem em ruas comerciais é mais difícil do que achar vaga em estacionamento de shopping aos sábados.

O preço não linear está em todo lugar. “Empresas telefônicas oferecem descontos para ligações de longa distância para reter clientes que poderiam trocá-la por operadoras locais”, exemplifica o economista Robert Wilson, professor da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, em um de seus artigos a respeito. Ou seja, você gasta menos aqui para gastar mais ali. “É uma tática incrivelmente eficaz”, diz William Poundstone no livro Priceless – The Myth of Fair Value (And How to Take Advantage of It) – inédito em português. “Nenhuma loja pode nos obrigar a comprar 5 pacotes de sabão. Mas, com as ofertas irrecusáveis da psicologia dos preços, elas não precisam fazer isso. Em muitos casos, o consumidor econômico é persuadido a gastar mais, em nome do ‘poupar dinheiro’.”

O problema é que você não está necessariamente economizando. “É dinheiro parado. Você faz estoque, mas esse dinheiro poderia estar rendendo em outras coisas. É uma decisão racional, só que limitada”, explica Alcides. Outro exemplo: você precisa de 2 pastas de dente, uma para agora, outra de reserva. A pasta custa R$ 2,50 e a farmácia vende 5 por 4, logo R$ 10. Tentado pela promoção, você resolve comprar o pacote, gastando R$ 5 a mais. Fez uma boa compra? Possivelmente. Saiu satisfeito? Talvez.Mas mais feliz ainda ficou o dono da farmácia, que fez você gastar R$ 10 em vez de R$ 5.

E não venha falar de cartão de crédito. Aqui a situação piora. “Quando você paga em dinheiro, sente que ele está te deixando. Com o cartão de crédito, não”, explica Dave Ramsey, espécie de celebridade americana das finanças, no livro The Money Answer Book (inédito em português). Segundo ele, pessoas que usam o cartão de crédito tendem a gastar até 18% mais do que as que usam dinheiro vivo. E o cartão é cada vez mais popular: o volume de pagamentos com cartões da Visa cresceu quase 25% no ano passado somente no Brasil.

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Mas, se ele nos faz gastar mais, por que aumentamos o uso do cartão? Simples. Porque é gostoso. Porque gostamos de consumir. Porque é bom como sexo.

Uma pesquisa realizada pela Universidade de Westminster, no Reino Unido, mostrou a um grupo de 60 pessoas várias imagens. Algumas tinham cenas de sexo, enquanto outras exibiam diversos produtos em promoção. De uma escala de 0 a 10, os dois grupos de fotos tiveram picos de 7 pontos em uma máquina que mede a excitação pela dilatação da pupila. Imagens de paisagens, por exemplo, ficaram nos 2 pontos. “Sexo é recompensador, assim como um bom negócio”, disse um dos fundadores da empresa que criou o software usado na pesquisa. Se as boas compras são boas como sexo, o mercado está cheio de brinquedinhos estimulantes por aí.

Jeitinho parcelado

Houve um tempo em que não havia anúncios de produtos à venda por algum valor terminado em “99”. Isso foi em meados do século 19. Com os anos, as lojas de departamentos americanas passaram a adotar a tática, segundo Robert Schindler, especialista em comportamento de consumo e estudioso dos efeitos desse número. Pesquisadores dizem que o preço terminado em zero é mais fácil de lembrar, por ser um número redondo. Isso fixa o preço na memória do mesmo jeito que um aniversário de 30 anos é mais lembrado do que o de 31. Assim, com o preço claro na cabeça, fica mais fácil pesquisar valores menores e, consequentemente, comprar menos por impulso. Por isso o “99” é tão presente em anúncios cujo objetivo é chamar a atenção para o preço. Segundo um levantamento feito por Schindler, 42,9% dos preços exibidos em propagandas de jornais americanos terminavam em “99”. Uma pesquisa realizada na França mostrou que a venda de uma pizza subiu 15% ao mudar o preço de 8 euros para 7,99. O que vale é a sensação de pagar menos, não a economia de 1 centavo no bolso. As pessoas não ligam para esses níqueis: em 2005, britânicos descartaram 133 milhões de libras esterlinas em moedas. Aliás, não é só número que age no inconsciente. Vírgulas e pontos também. Quer dar um lance em um carro seminovo? R$ 20.000,00 soa maior que R$ 20 mil ou R$20000.

Se desperdiçar moedas não é hábito exclusivo nosso, tem um que é, sim: parcelar. “Nenhum país teve inflação alta por tanto tempo como o Brasil”, diz Alcides. “Você pensa no preço da parcela, não no final”, explica. Esse contexto em um país em que a maior parte da população não tem dinheiro para comprar um eletrodoméstico à vista foi a deixa para as redes de varejo conquistarem mais clientes com o parcelamento. Dividir é tão forte no Brasil que até as lojas de luxo, cuja clientela teoricamente não precisaria parcelar, tiveram que se adaptar quando chegaram aqui. O Brasil é o único lugar do mundo em que um anel na Tiffany pode ser comprado em 10 vezes. Assim como um rack nas Casas Bahia.

Vale quase tudo para vender. Arquitetos projetam grandes lojas de um jeito que o consumidor tenda a andar no sentido anti-horário, pois descobriram que os clientes que se movimentam assim gastam mais dinheiro. Um supermercado constatou que usar música ambiente francesa aumenta a venda de vinho francês (e o mesmo funcionou para garrafas alemãs). Parece loucura? Quem é que compra vinho por causa da música ambiente? E quem presta atenção em música ambiente? Poundstone resume: “A maior parte das decisões que tomamos no dia a dia, inclusive o que colocamos no carrinho de compras, não é tão clara assim”.

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Pague 2, leve 3 e o desbunde da promoção

Quando o preço final que pagamos não sobe na mesma proporção que a quantidade de produtos e serviços que estamos levando, temos um exemplo de preço não linear. Ele é visto mais claramente nos shoppings e nos supermercados, na forma de “3 itens por 2” etc. Já o “99” é estudado há décadas por seus efeitos cognitivos. Sabemos que preços terminados em “99” parecem mais baratos do que realmente são. Mas, mesmo assim, consumimos mais quando estão na vitrine.

Vinho caro é melhor que vinho barato?

Não necessariamente. Um estudo diz que o preço influi na percepção de buquês, aromas e afins. E isso não acontece se o valor cobrado é desconhecido. Ou seja, muitas vezes o gosto mais marcante de um vinho é o preço dele.

Preço maior dá a ideia de produto melhor?

Sim. Exemplo: segundo o autor William Poundstone, etiquetar o chocolate Mars com um preço e o Snickers com outro, pouco menor, fará o primeiro vender mais. Se inverter os preços, o Snickers venderá mais. Preço maior é um atalho cognitivo para a percepção de melhor qualidade.

O segredo dos preços estratosféricos

Olhe para estas bolsas. Você saberia a diferença de preços só de observá-las? Pois uma custa 6 vezes mais que a outra, uma diferença de R$ 7 mil. Ao dar de cara com as bolsas na vitrine, ver o preço daquela à direita (R$ 8 398) e o tamanho da diferença de preço, de repente a quantia cobrada pela bolsa da esquerda (R$ 1 375) parece menos assustadora, não? Isso é ancoragem. Pôr um preço nas alturas para que, por comparação, não achemos outros bem abaixo dele tão caros assim.

Por que o preço de um gadget cai quando sai o sucessor?

Com o lançamento de algo novo, como o iPad, consumidores não sabem quanto ele deveria custar, pois não há com o que comparar. Assim, há mais liberdade para definir o preço. Alto no lançamento (para fãs) e mais baixo depois para o resto da boiada.

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A garantia de carro nunca dura tanto quanto promete?

Dura para quem respeita as especificações. Entre as regras mais comuns está a da revisão. Para não perder a garantia, é preciso fazê-la em concessionárias autorizadas, onde normalmente o preço de produtos e serviços é maior. É uma tática para deixar o cliente por perto por mais tempo. E consumindo mais.

Mais por menos?

Como uma bermuda com mesmo tecido, da mesma marca, pode custar tanto ou mais que uma calça? Apesar de o custo de produção ser cerca de 25% menor, a resposta está na parte de cima, com botões, zíperes, costuras e rebites. Lá fica o grosso do trabalho. E ainda há a influência da moda, que estimula a demanda e, na sequência, o aumento de preços. Bermudas podem estar mais em alta que calças. O preço da camisa xadrez, no auge da moda, aumentou até 10%.

Fontes Associação Americana de Economistas de Vinho; Clóvis Ferratoni, professor de design de moda do Centro Universitário Senac; Joel Leite, diretor da agência de notícias Auto Informe; Ana Laura Villega, repórter visual da revista VIP.

Para saber mais

Priceless: The Myth of Fair Value (And How to Take Advantage of It)

William Poundstone, Hill and Wang, 2010

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