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A vida de um tímido (ou por que as bochechas ficam vermelhas)

O tímido tem muito medo de passar vergonha em público. Por isso, pensa em cada palavra e gesto que vai fazer. Conheça aqui a história das pessoas que se amedrontam com gente. E descubra se você também é uma delas

Por Karin Hueck
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 18 mar 2011, 22h00

Gisele é uma capixaba que odeia fazer aniversário. Não é que se incomode em ficar velha – ela odeia é ter pessoas ao redor, cantando em sua homenagem. Ela foge tanto dos holofotes que nunca realizou o sonho de se casar na igreja só para não virar o centro das atenções vestida de noiva. Carla é uma assessora de imprensa paulistana que não se sente à vontade cumprimentando pessoas. Na adolescência, passou um semestre inteiro de um curso de inglês trancada no banheiro, com receio de interagir com os outros alunos na aula. Andreia é paulista, e não consegue mais andar de metrô. Seu medo é que alguém se aproxime para pedir informações e ela não saiba o que responder nem como agir. As 3 mulheres fazem parte de um grupo virtual de fóbicos sociais (os mais tímidos na escala dos tímidos) e são o exagero de um comportamento que todo mundo tem de vez em quando: desconforto de estar e interagir com outras pessoas. Conheça aqui o mundo dos tímidos, um universo nunca dantes contado (ou você já viu tímido contar alguma coisa?).

Temer o próximo parece uma característica meio sem sentido para um animal tão sociável como o ser humano. Mas o fato é que 90% das pessoas admitem ser tímidas em algum período da vida. Quarenta e cinco por cento passam a vida toda acanhadas. E 4% são como Gisele, Carla e Andreia, cuja timidez é tão acentuada que as impede de levar uma vida normal. Em níveis diferentes, os 3 grupos sentem os mesmos desconfortos: medo de passar vergonha em público, de falar algo errado, de virar motivo de chacota, de se expor. De tão preocupados que são com a opinião alheia, acabam desenvolvendo um jeito estranho de se portar. É como se a todo o momento assistissem a um filme da própria vida na cabeça. Cada movimento e cada fala são ensaiados mentalmente, para que na hora que o mundo diga “ação” ele possa representar seu papel com perfeição. Tudo para evitar gafes. O tímido é um fingidor – finge tão completamente que dificilmente age com espontaneidade. E, nessa vida premeditada, acha que todo mundo repara nele também. Com todas as atenções voltadas ficticiamente para ele, imagina que tudo conspira para dar errado, numa mistura estranha de narcisismo, insegurança e pessimismo. É aí que o tímido se cala.

Para piorar, parece que ser acanhado é sina das mais graves. Vá até o dicionário mais próximo. Procure sinônimos para a palavra “tímido”. O que você vai encontrar são termos como medroso, débil, dúbio, fraco, frouxo. Isso porque, na nossa cultura, parece certo ser incisivo e comunicativo. Essa pressão em ser extrovertido o tempo todo pode ser um dos motivos que explicam por que as pessoas andam se sentindo mais retraídas – um aumento de 10% em 3 décadas. A internet complica essa história mais um pouco. Um estudo da Universidade de Windsor, no Canadá, mostrou, por exemplo, que tímidos passam mais tempo no Facebook do que não tímidos. Gisele, Carla e Andreia, as mulheres que estão no começo desta reportagem, não falam de seus problemas para conhecidos ou familiares, mas não tiveram dificuldade em contar suas histórias para a SUPER – via e-mail, é claro. E elas não foram as únicas: outros 10 fóbicos sociais, em menos de 3 horas, se ofereceram pra contar seus dramas. Sim, a internet parece promover o milagre da desinibição virtual. Isso é bom e ruim. Se você passa tanto tempo na internet e não se encontra pessoalmente com os amigos, os colegas, o caixa do banco, é possível que fique meio desconfortável com pessoas ao redor. Principalmente se você já tinha alguma tendência para o acanhamento.

Acontece com todo mundo
A teoria mais aceita hoje é que timidez é um traço de temperamento. Isso significa que pode haver um componente genético – mas um que não é absolutamente determinante. Desde o berço, há bebês que se sentem à vontade com novos estímulos, como brinquedos e desenhos, e outros que se retraem. A maior parte dos bebês retraí-dos vai crescer e virar um adulto tímido. Uma boa parte, no entanto, cresce e vira extrovertida. Da mesma maneira, bebês desinibidinhos podem virar adultos tímidos, o que indica que há espaço para o ambiente na formação da timidez. Às vezes, a retração surge de um trauma. Por exemplo, o menino que foi rejeitado na primeira vez que tomou coragem para chamar uma menina para sair talvez nunca mais chame outra. E assim fez-se um tímido.

Na verdade, não há nada errado em fugir do centro das atenções. “Você diria a um atleta fora de forma que ele é doente e tem um pro-blema? Não. Então também não podemos dizer que o tímido tem um problema. Tímidos são apenas pessoas fora de forma para relações sociais”, diz Lynn Henderson, diretora da clínica de estudos sobre a timidez da Uni-versidade Stanford, nos EUA, a mais antiga do mundo. Ou seja, uma vez à vontade, o tímido é tão engraçado, sociável e simpático como qualquer outra pessoa – ele só precisa de um empurrãozinho pra se sentir à vontade. Esse empurrãozinho é algo quase instintivo, tanto que 40% dos tímidos deixam de sê-lo sem fazer nenhum tipo de tratamento. Quando percebem que o acanhamento os impede de fazer tudo que têm vontade (não se engane, tímidos querem ser desinibidos), muitos conseguem controlar a ansiedade e começar a se expor sem (tanto) sofrimento.

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O problema está em quem não consegue dar esse passo sozinho e se enterra na solidão. Aí o tratamento parece inevitável: ou com terapia ou com remédios. Na terapia, o tímido treina situações sociais. Aprende a manter conversinhas de elevador, a puxar assunto com a pessoa desejada e, principalmente, a descobrir a triste realidade: ninguém repara nele como ele imagina. É como o atleta fora de forma mesmo: só depois de muito treino o tímido vira um profissional da desinibição. Já os medicamentos são diferentes, pois não agem no comportamento da pessoa, e sim nos sintomas. “Pessoas muito tímidas têm alguma disfunção no metabolismo de serotonina e dopamina no cérebro. É isso o que os remédios regulam”, diz Carlos Blanco, professor de psiquiatria da Universidade Columbia, EUA. Ao atacar a química do cérebro, o remédio deixa o tímido menos ansioso e preocupado, mas não necessariamente mais saidinho para conversar ou fazer amigos. Ou seja, sem o tratamento, ele volta a ser o acanhado de sempre. Por isso, nem sempre é bom confiar só na química.

Abrace a timidez
Boa parte dos tímidos (uns 20%) não acha sua retração um traço negativo de personalidade. E não é mesmo. O administrador de empresas americano Jim Collins estudou 1 345 grandes companhias para descobrir por que algumas eram mais bem-sucedidas. O resultado mostrou, entre muitas coisas, que as empresas lideradas por chefes tímidos tinham evoluído muito mais do que as outras. E por um motivo simples: o líder acanhado se preocupa apenas em fazer um bom trabalho, e não em ganhar fama e status (afinal, o tímido foge do holofote feito extrovertido do ostracismo, certo?). Há outros motivos para acreditar que um mundo feito de tímidos funciona melhor do que um povoado de extrovertidos. Pense numa pessoa que não se intimida com nada e ninguém. Ela vai agir e falar sem restrições – invadindo o espaço alheio. “A timidez é um excelente regulador do convívio social. Levar em consideração o que o outro está pensando contribui para que as pessoas não vivam em conflito o tempo todo”, diz Ailton Amélio da Silva, psicólogo da USP, e autor do Mapa do Amor. Os tímidos bem que poderiam sair por aí espalhando isso – se eles não tivessem tanta dificuldade em abrir a boca, é claro.

 

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Situações que mais causam timidez:

73% falar em público
64% conversar com a pessoa desejada
55% falar com alguma autoridade
55% qualquer situação nova

Tratamento: só os 5% mais tímidos procuram tratamento

Das pessoas que procuram ajuda: 64% são homens / 36% são mulheres

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Quando crianças, meninos e meninas apresentam os mesmos níveis de timidez. Já entre adultos, é mais comum encontrar mulheres tímidas do que homens.

Para saber mais

A Timidez
Philip Zimbardo, Edições 70, 2002.

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How Shyness Became a Sickness
Christopher Lane, Yale Press, 2007.

 

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